tag:blogger.com,1999:blog-59195404571151108272024-02-07T19:30:48.013+00:00encalhando isto dá um blog...ou então dá uma "sande" de couratoSofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.comBlogger196125tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-22575643906879150602017-11-25T22:35:00.000+00:002017-11-25T22:36:54.288+00:00Oh Pedro...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Oh Pedro... como é que isto nos foi acontecer?</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
A ti e a nós. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
A mim, </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
porque só posso escrever em nome próprio, mas no caso estou certa de
ser tantos.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Nestas coisas da morte, Pedro, para uma descrente como eu, Pedro, é
tudo muito egoísta. Hás-de perdoar-me, mas</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
como é que isto me foi acontecer? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Como se a morte fosse minha. E é. Tenho a certeza que é. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Chega a ter graça. Eu aqui vivinha a querer a negra para mim. A lata da
bicha!, dirias a rir, sempre a rir. Quase dava um post. Dava, não dava, Pedro? E
dos bons. Somos tramados. Queremos tudo para nós. Mesmo que seja uma merda - e
é, Pedro! Tão grande... -, queremo-la toda para nós. Ainda que só para nos
sustentar os dias vazios, esta tristezazinha saloia que nos comprova a vida, para me sustentar este Oh Pedro... gigante de
olhos inchados e nariz ranhoso.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Tudo uma foleirice pegada que havias de detestar. Mas a vida não é
feita só do que se gosta, e pelos vistos a morte também não. Aguenta-te que eu
estou a fazer o mesmo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Admite, </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
nunca mais vamos à praia, pois não? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Nunca mais vamos ao Pessa, pois não? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Nem aos caracóis. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Nem ao cozido. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Podes dizer a verdade, sabes que sempre quis só a verdade - só a
verdade... Que graça... Outro post... Agora a sério, podes dizer a verdade, eu
aguento. Olha para mim já a aguentar tão bem. Faço o quatro e tudo se me
pedires. Queres que faça o quatro? Faço mas diz-me a verdade,</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
nunca mais vamos à praia, pois não Pedro? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Oh Pedro... Oh Pedro... </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Não há mais mergulhos pois não? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Nem Melides, Nem és um génio. Já não sou um génio? E agora quem é que
me vai achar um génio? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Já não há mais nada disso pois não? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Oh Pedro... Eu enganei-me, pensei mal, não quero a verdade. Quero a
praia. Quero o Pedro. Mente-me à vontade e não falamos mais nisso. Oh Pedro...
rebentou-me um derrame do olho e tudo de tanto Oh Pedro... Aqui no esquerdo,
vês? A noite toda Oh Pedro... Oh Pedro...</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Se ao menos tivéssemos acreditado mais. Eu acreditei desde o início,
sem esforço, era óbvio que nada disto ia acontecer, não podia. Só no finzinho é
que não. No finzinho fraquejei, admito. Já não deu. Se ao menos tivesse feito um
esforço para acreditar mais. Há pessoas que mexem coisas com a mente... Se ao
menos acreditasse em milagres. Se ao menos tivesse abraçado árvores, ou assim...
</div>
Mas não abracei e agora também já não vou abraçar. Por isso amanhã tomo
banho, lavo o cabelo, acaba-se esta pirosada toda, e logo se vê o que acontece.
Já sabes, se quiseres mentir, eu não me importo.</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-366153149566952012017-10-02T22:56:00.001+01:002017-10-02T22:56:11.877+01:00São Tomé como o Chiado<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="m_1599531158445882881p1" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 12.8px;">
<span class="m_1599531158445882881s1"> Querem conhecer São Tomé? </span><br />
<span class="m_1599531158445882881s1"> Metam-se a caminho. Agora. </span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 12.8px;">
<span class="m_1599531158445882881s1"> Preferem o Chiado? </span><br />
<span class="m_1599531158445882881s1"> Já deviam ter ido. No tempo dos pinheiros. <span class="m_1599531158445882881Apple-converted-space"> </span></span><br />
<span style="font-size: 12.8px;"> É o que penso, pelo menos agora. No final do texto já se vê.</span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 12.8px;">
<span style="font-size: 12.8px;"> Ando quase sempre trocada mas nestes casos nem por isso. Graças a Deus, cheguei sempre a tempo. Antes, como agora, mais que a tempo - ainda o final do texto não se aproxima e já as certezas me vacilam. Vocês não sei, mas vamos imaginar que não chegaram a tempo, para melhor servir o carácter dramático do texto:</span><br />
<span style="font-size: 12.8px;"> - Vocês nunca foram a São Tomé e só visitaram o Chiado depois dos pinheiros da Praça Luís de Camões!</span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 12.8px;">
<span style="font-size: 12.8px;"> Oiçam o que vos digo; vão agora, antes que se perca ou se renove. Não que o novo não seja bom, nada disso, mas nunca igual. Por agora São Tomé ainda uma ilha toda da cor de si própria. Tudo se faz e refaz ali mesmo. O que lá há, é o que se usa, e por isso não foge à cor do que ali sempre existiu. É bonito de ver, acreditem. Já sobram poucos lugares assim. A raridade é valiosa, mas neste caso é mais do que isso. A ilha usa e volta usar apenas o que produz. Uma canseira, primitiva talvez, mas uma canseira linda para a vista de nós, miseráveis, sem identidade própria. Ou com uma identidade global, sei lá... Todos uma mistura imunda daqui e dali, já ninguém sabe de onde. Ali não. Na ilha as cores são as da terra e pouco mais. Tão pouco que mal se nota. </span><span style="font-size: 12.8px;">Um quase nada que até lhe dá graça. </span><span style="font-size: 12.8px;">Talvez uns ténis coloridos que o primo emigrado enviou pelo correio, ou os restos de uma boneca da moda que os voluntários trouxeram de fora. De resto, só tipos a carregar carvão em lonas que um dia serão velas de barco ou toldos das bancas de peixe. E assim sucessivamente com o que lá há, até tudo se esbater numa coisa só, São Tomé.</span><span style="font-size: 12.8px;"> Coisa bonita essa, a da essência.</span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 12.8px;">
<span style="font-size: 12.8px;"> </span><span style="font-size: 12.8px;">E os pinheiros do Chiado? perguntam vocês.</span><br />
<span style="font-size: 12.8px;"> A Praça Luís de Camões tinha pinheiros. Tinha sim, juro. Muitos pinheiros, todos mansos.</span><span style="font-size: 12.8px;"> </span><span class="m_1599531158445882881Apple-converted-space" style="font-size: 12.8px;"> </span><br />
<div class="m_1599531158445882881p2" style="font-size: 12.8px;">
<span style="font-size: 12.8px;"> Eu gosto de árvores. Adoro, até. Mas confesso que me dava desgosto vê-las ali entaladas na calçada a cuspir gosma a primavera inteira</span><span class="m_1599531158445882881s1"></span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="font-size: 12.8px;">
<span class="m_1599531158445882881s1"> Não são os pinheiros, esses?</span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="font-size: 12.8px;">
<span class="m_1599531158445882881s1"> Mas e aquele chão sempre tão sujo?<span class="m_1599531158445882881Apple-converted-space"> </span></span><br />
<span style="font-size: 12.8px;"> Pastilhas elásticas? </span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="font-size: 12.8px;">
<span class="m_1599531158445882881s1"> Não, os pinheiros não sabem mascar. </span><span style="font-size: 12.8px;">Inclino-me mais para o suor fétido dos miúdos de 16 anos embebidos em álcool. Fazia-me confusão o aperto dos pinheiros, mas tapavam aquilo um bocado, entendem? Pelo menos visto de cima. Quando se voa ou assim, dá jeito. O professor da faculdade sempre a dizer "Ana Sofia a vista de cima é tão importante como as outras" e eu "importam-se as gaivotas?"</span></div>
<span style="font-size: 12.8px;"> Eu importo.</span></div>
<div class="m_1599531158445882881p1" style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif; font-size: 12.8px;">
No outro dia voltei à ilha. Contei dois letreiros novos. Coloridos e luminosos. Os primeiros da ilha. De empresas de telecomunicações, acho, nem quis olhar bem. Não chorei porque já tenho idade para me apoquentar com o inevitável. Com o melhor, dirão os tipos de sacos de carvão às costas.<br />
E estão cheios de razão.<br />
Eu nem sequer vivo lá.</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-62264656961464208232016-04-05T18:49:00.000+01:002016-04-05T18:49:37.492+01:00Piroseira em ar<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div>
Hoje não inspiro. Nem expiro. </div>
<div>
Recuso-me a respirar, se não for para te encontrar. Que desperdício de energia se não te puder beijar. Respira para te sentir durar. Mesmo ao longe e devagar, respira para te poder achar. E beijar. Ou só adivinhar. Tranquilo, quero só calcular. Não imaginas como sou ótima a imaginar. Respira sem parar. Que seria se te soubesse sem respirar? Nem arfar, só respirar.</div>
<div>
Ninguém respira como tu a minha vontade de te cansar. Respira por mim, prometo não te beijar. O que te custa se tens mesmo que respirar? Deixa-me acreditar que respiras para te desejar. Só te quero olhar, a respirar. Só te quero tocar. Fica tranquilo, nem agarrar, só tocar. Se soubesses do que sou capaz sem te segurar. Só voltar contigo para aquele lugar, que ficava aqui tão bem se fosse junto ao mar. Mas não é. Ou talvez seja. Afinal na praia há luar e eu tenho urgência de te embalar. </div>
<div>
Respira, mesmo que passe a vida a procurar. </div>
<div>
Prometo não te encontrar. Só te quero sentir a respirar. </div>
<div>
Quero-te cismar e então descansar.</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-6119237787744657112016-01-03T14:31:00.002+00:002016-01-03T16:45:41.346+00:00Da sobrevivência<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Há quem me acuse de ser desarrumada. Eu não concordo. Sou despistada, sim. Faço desaparecer muitas coisas; esqueço-me de datas, de todas as datas, mesmo das mais importantes. Porque as datas não são importantes, os acontecimentos sim. Que me importa lembrar quando aconteceu, se me lembro tão bem do sabor do teu beijo? Tu sabes a data, eu sei o beijo. A data serve para exibir dedicação, o sabor serve para te beijar outra vez, mesmo quando não estás por perto. E isso, sim, é dedicação. Também há quem me chame fantasiosa. Com isso talvez concorde. Concordo mesmo. A data não é assim tão repugnante, faz, aliás, um brilharete com as namoradas. Ainda bem que sou mulher. Os homens percebem mais facilmente que não se ligue nenhuma a uma data. Mesmo que não percebam, na maior parte das vezes também não se lembram. Eu gosto de rir daquilo que me difere da maioria das mulheres - não quero saber de datas para nada, e não me importa um caraças que um homem veja futebol. Rio à vontade, porque também choro com as que me aproximam do arquétipo. E são tantas. Apesar de tudo, tento vê-las com normalidade. Se não existissem, eu seria um homem. E isso é que não, por amor de Deus.<br />
Dizia eu, antes de derrapar nesta verbosidade chata, que tantas vezes me desvia o raciocínio: há quem me acuse de ser desarrumada, mas eu discordo. Apesar de ser uma despistada incorrigível, gosto das coisas no sítio certo. Pior, fico aflita se não o encontro. Se não sei, pelo menos, de onde saiu, e onde deveria estar. É o que me acontece com o medo.<br />
Não com todos os medos. Alguns conheço-lhes bem o arrumo. Às vezes abro a gaveta da cómoda, só para me certificar de que estão no sítio certo. Se estiverem bem arrumados, aí permanecerão até à minha morte. Pelo menos acredito que sim. Já se passaram alguns anos desde que os fechei bem dobradinhos nas gavetas. Deixei-lhe umas bolotas de alfazema para ficarem confortáveis, e sempre que abro a gaveta, sorriem-me agradecidos. Eles também gostam de estar no sítio certo. Não são nenhuns vagabundos. Não pediram para nascer. Se os parimos devemos tomar conta deles. Mesmo dos mais horríveis.<br />
E é aqui que tudo muda. É sempre o filho enjeitado que tira o tapete aos pais. Mas também é ele que lhes pode certificar a mestria. Eu não sou mãe, mas já pari muitos medos. Arrumei alguns, e deixei outros tantos a flutuar por aí. Sempre que o vento sopra a desfavor, voltam inteirinhos para me assombrar os dias. Só de escrever isto já estou cheia de medo outra vez. É como tudo: os grandes nunca morrem. Nós é que temos de arranjar maneira de lhes sobreviver.</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-64488388996945043922015-12-26T23:23:00.002+00:002015-12-26T23:23:42.530+00:00Elogio da morte<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Talvez devesse deixar de fumar. <div>
É um vício social, pouco mais. Afinal só gosto de fumar acompanhada. </div>
<div>
Mentira, Sofia. Aliás, grande mentira, Ana Sofia! </div>
<div>
A idade tem-te refinado na mentira. Estás cada vez melhor. Cada vez melhor no que trata de te convenceres do que te convém. Que é como quem diz, estás cada vez pior. Por agora, decido melhorar um pouco: gosto de fumar de qualquer jeito. Sozinha, ou acompanhada. Não melhoro tudo, se decido seguir a fumar... Pouco importa. Preciso de medir o tempo em qualquer coisa mais palpável que um relógio. Talvez não mais palpável, apenas mais activo. A inacção desestrutura-me. Dá-me tempo em demasia para pensar. Por isso fumo. Preciso de movimento, de sentir que faço a roda girar. Mesmo que não faça. Cada ano mais refinada, já sei... Deixa-me estar. A roda enorme, não me cabe na mão. Nem nas duas, abertas. Acendo um cigarro. Meço as horas contigo em braseiros ardidos a dois, e as horas sem ti em braseiros sugados à tua espera. Às vezes não chegas. Acendo outro. Quando chegas, um terceiro, e um quarto, os dois a arderem devagar na nossa pressa. A medirem o crepitar exacto da nossa vontade. Longas puxadas incandescentes a dois. Tão grande, a nossa urgência. Não fosse pelos cigarros, já teríamos chegado. <div>
Onde vamos, hoje?</div>
</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-89426455370042063812015-11-30T23:33:00.000+00:002015-11-30T23:33:10.775+00:00...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Procura-me onde não sei se estarei<div>
Desconheço para onde vou</div>
<div>
É por isso provável que lá me encontres... </div>
<div>
Já cheguei?</div>
<div>
Segura-me firme, não me deixes fugir</div>
<div>
não sei se voltarei<div>
Precisa-me nestas horas de nada, nem de ninguém</div>
<div>
Procura-me, que não te encontrei</div>
<div>
Encontra-me por Deus</div>
<div>
juro que te procurei.</div>
</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-104584690744671412015-11-05T00:54:00.000+00:002015-11-05T00:54:25.569+00:00Da virtude<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
A virtude não está no meio, está nas pontas.<br />
No meio está, sem dúvida, o aperto, a dificuldade séria disto tudo, porém não a virtude.<br />
Está a escolha, a espera, a incerteza. Enfim, o caminho. Porém, não a virtude. Ser isto e não aquilo. Optar. Acertar. Cair. Escorregar. Levantar.<br />
E apertar, apertar...<br />
E mesmo com força, voltar a escorregar. Passar horas, dias, meses, anos, um segundo que seja, sem acertar. Só errar. Depois encontrar, segurar, e voltar a escorregar. Cair e levantar. Nunca saber, só esperar.<br />
Aguentar, aguentar... <br />
No meio está isto tudo, porém não a virtude.<br />
É bonito, mas não é a virtude.<br />
Não duvidem, meus senhores, a virtude está nas pontas. Viver sem medo. Ser assim e gostar. Não ter pudor. Não pensar muito se revelar, ou ocultar. Mostrar. Dizer, de preferência a gritar. Na virtude não há limite de coragem ou decibéis. É ter coragem de ser, e clamar<br />
O que é a virtude?<br />
É decidir e respirar<br />
O resto é alcatrão para lá chegar.<br />
<br /></div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-90588918666375835252015-10-28T20:32:00.000+00:002015-10-28T20:32:03.788+00:00Sueca de jardim<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
A vida
comove-me sempre mais que a morte.<o:p></o:p></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
Não que a morte não me comova, claro
que comove, mas com a vida... com a vida é outra coisa. A morte, zás!, já a
vida, zááááá..., não sei se me faço entender. Provavelmente não. A vida comove
sem precisar de fazer barulho, sem se dar por ela. A morte não. A morte pinta
as beiças de vermelho vivo e grita-nos aos ouvidos. A vida não tem beiças, tem
uma boca pequena, vagamente animada com um rosa discreto e sussurra ao ouvido de
quem a puder ouvir. Quase só respira. Quente. E a um só ouvido. Fá-lo sempre a
um só ouvido. O outro, o ouvido, deve estar entretido com o resto que acontece,
e que, não sendo a vida, é fundamental que exista, para que a vida possa acontecer.
<o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
Melhor
agora? <o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
Ainda
não? <o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
Estão
desatentos, vocês! <o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
Capaz de
a vida vos respirar ao ouvido livre - têm um ouvido livre, espero!- e ninguém
lhe obedecer. E depois bem podem libertar o ouvido, ou os dois,
até, que a vida já não se importa.<o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
É
simples,<o:p></o:p></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
a vida <span style="color: grey; mso-themecolor: background1; mso-themeshade: 128;">záááá</span>áááááÁÁÁÁÁÁááá<span style="color: #a6a6a6; mso-themecolor: background1; mso-themeshade: 166;">áááááááá</span>ááÁÁÁÁááá<span style="color: #a6a6a6; mso-themecolor: background1; mso-themeshade: 166;">áááááá...<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
Como o mar.</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
Se não se põem a pau,</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
se não nadarem,</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
vem uma
onda e ÁS!</div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<o:p></o:p></div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-32511148158767378362015-10-08T01:16:00.002+01:002015-10-08T01:16:52.409+01:00O Banquete<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
A miúda tem qualquer coisa, mas não sei o que é.<br />
À conta desta coisa que, sem nome, não é mais do que coisa nenhuma, agora faço listas para tudo. Sem listas não existo. Poupe-me a esse olhar enviesado, o senhor ao fundo. Não lhe agrada, andor. Não entende nem lhe apetece esperar, faça o favor. Acalmem-se os restantes, não pretendo divagar à cerca da memória e da idade, e de como as listas ajudam a retardar o fedor do envelhecimento. Nada disso. São outras as listas de que falo, são as nossas listas. Espanta-se provavelmente porque nunca precisou de as escrever, mas que as tem, tem. Desengane-se se acha que sou caso único. Aliás, agradeça-lhes pois sem elas não poderia brilhar, como brilha, nas conversas de café, ou nos jantares de família, ou nas reuniões de liceu, ou na conversa casual, inocente, com a amiga encalorada que encontrou no supermercado. Faz sempre calor nos supermercados. Menos nos iogurtes. Até nas carnes, refrigeradas. Pedaços de corpos nas montras; o porco dividido em freguesias num cartaz lá no alto; o puto que berra porque quer o puzzle do porco; a mãe que não, que aquilo não é um puzzle; o pai que sim que o puto é um mimado por culpa da mãe que não tem mão nele; a loura nauseada que é inadmissível, que os pais não deviam trazer as crianças às compras; e o porco, ao lado da vaca, que podiam tão bem ser um puzzle. Duas febras de Arroios a ver se o puto se cala. <br />
À parte de um ou outro disparate proferido, talento que herdei de família, não costumo brilhar nos jantares. Não sei o nome do filme que adorei, nem do actor pricipal, quanto mais do secundário, ou da personagem, meu Deus, nem da personagem, Ana Sofia?; não sei como se chama o restaurante vegetariano perdido no meio do salgueiro-chorão de um jardim de Lisboa, com luzinhas de Natal o ano inteiro, como é que não te lembras do nome, rapariga? Luzinhas de Natal o ano inteiro, de que mais precisas?; Também não sei o nome do primeiro Presidente da República de Portugal, nem da primeira, nem da segunda, nem da terceira. Nem sei se são três as Repúblicas, acho que sim, mas, de facto, não sei. Há quem confunda achar com saber. São coisas diferentes em profundidade. Uma é chapinhar na poça, a outra é dar um mergulhinho de mar. Para muitos, salpicar a cabeça é quanto baste. Para mim não. Desculpem. Se não engoli, pelo menos, dez pirolitos, não, não sei. E normalmente não sei mesmo, porque não mergulhei. Não experimento aqui nenhum elogio à minha profundidade de conhecimentos, nada disso. Deus sabe que não padeço desse mal, da profundidade. Invejo quem padeça, mas também não desgosto desta existência arejada, sem amarras de sabedoria. Sei o que amei e nada mais, sempre sem saber porquê. Prefiro assim, surpreendo-me mais. Depois, se calhar saber, é uma festa. É de gestão de expectativas que aqui se fala. Se esperar nada, há-de me chegar qualquer coisinha. Bastante medíocre este pensamento. Ou não. Acho que o meu pai diria que não, por isso, para mim não. Mas medíocre na mesma.<br />
Muito medíocre a minha prestação em jantares, dizia eu. Nunca nada de concreto para dizer, o que, mesmo entre amigos, dificulta a comunicação. Interessam-me sempre mais as impressões das coisas do que as coisas em si. É mais fácil falar das coisas do que da sua impressão. Mais fácil não será, mas mais rápido é certamente. E não temos muito tempo, é certo. Também é mais fácil ouvir, imagino. Claro que mais fácil, se mais rápido. Por isso agora faço listas de tudo. Dos livros que li, dos autores que gostei, dos que nem por isso, dos restaurantes onde fui, dos espectáculos a que assisti. E assim já posso ser à vontade, e quem sabe brilhar um bocadinho ao jantar. Saco as minha listas e depois calem-me se puderem. Fui ver o último filme de tal e tal, da trilogia de tal e tal, realizado em 19tal e tal, fulano tal e tal faz um papel estrondoso, e estou agora a ler o livro tal tal, de fulano tal tal, um talento este americano, apesar de nascido nos confins do estado de tal e tal...<br />
- No estado de tal e tal? Mas isso fica onde?<br />
Faço um esforço para não desfazer em pedaços as listas que tenho. Em nenhuma delas encontro a resposta à pergunta. Inúteis uma a uma. Inútil tu também. De tantos tais e tais sobra-te um magnífico Isso fica onde? Encho-me de R´s: Respiro fundo, retomo a compostura, rasgo-as devagarinho, e respondo num sorriso redondo<br />
- Ora, deixe cá ver, se o puto não desfez o puzzle, há-de ser ali por baixo da vazia.</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-4807848408150014492015-05-18T17:20:00.000+01:002015-05-18T19:39:20.971+01:00Da segurança.<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Fiquei à
beira do choro. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Não à beira das
lágrimas, ou com os olhos rasos de água, como fico quando alguma coisa me
comove. À beira do choro compulsivo. Os olhos só vermelhos, sequinhos, à espera
de rebentarem à vontade. A engolir em seco e a arranjar desculpas para sair de fininho
da sala, e ir afogar o barulho do choro nas mãos. Não queria preocupar os pais. Ou talvez não quisesse perguntas</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Estás a chorar, Sofia?<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
nem
respostas</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Comoveste-te, Sofia.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Acho que não
foi bem isso que aconteceu.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Não foi
tanto a alarvidade do agente. Foi o miúdo.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Não sou
diferente nesta matéria. A todos chocou especialmente o desespero do miúdo.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Mas acho que
ainda não foi bem isso que me aconteceu.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
O que me
tirou três vezes da sala para me recompor, foi o terror do miúdo pelo pai. Foi
o outro polícia a ampará-lo, a guardá-lo, um escudo de vidro tão forte, enorme,
a proteger mas a deixar ver tudo. Um fotógrafo interessado, outro polícia de
cócoras, o miúdo aflito e toda a gente a saber que o miúdo aflito. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Vai ficar tudo bem<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Um abraço
apertado no escudo de vidro, enorme. O miúdo agitado e uma mão larga a
empurrá-lo para o peito. E eu cá de fora
a querer dizer-lhe</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Não olhes para aquilo<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Vai ficar tudo bem, miúdo. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Pensa só Viva o Benfica<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Já vai passar<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>esquece tudo e Viva o Benfica<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Pensa que o teu pai é enorme, não são cinco
polícias blindados que o desfazem. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Não, não penses nos polícias blindados. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Esquece os polícias blindados a desfazerem o
orgulho do teu pai à porrada, <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>a desfazerem o teu orgulho no pai à porrada.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Não se desfaz essa matéria à porrada.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
E eu ali,
engasgada no choro e na contenção, quase a desejar ser o miúdo. Ou ter um escudo.
Mesmo que fosse de vidro. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
Mesmo que se
pudesse ver tudo.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
As pernas
oblíquas pregadas ao chão, os braços a afastarem o corpo da barriga do polícia,
o choro de boca aberta. E um abraço rijo, uma mão larga a forçar-me a cabeça
no peito</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Vai ficar tudo bem, miúda. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<i>Nada disto se desfaz à porrada.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-11963481627042086022015-03-28T22:08:00.003+00:002015-03-28T22:08:49.635+00:00Clap, clap, clap, Doutora!<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Tenho andado demasiado sóbria para o meu gosto.<div>
Uma pessoa habitua-se à boa vida e depois não quer outra coisa. É normal.</div>
<div>
O ser humano é uma coisa estranha. Deseja. Alguém dá (não me venham com a treta do senhor lá de cima. Chegar até aqui deu-me uma trabalheira dos diabos). E ele ainda reclama. </div>
<div>
E como não é um alce que está escrever; reclamo. Claro que reclamo!</div>
<div>
Eu pedi paz, só isso. Não mais do que isso.</div>
<div>
Fiz tudo o que me mandaram. Gastei uma pipa de tempo e duas de dinheiro em terapia, tomei os azuis de manhã, os brancos ao lanche e o redondinho em s.o.s. Enquanto o processo durou, parecia perfeito. Uma ilusão de movimento, de caminho para algum lado. </div>
<div>
Ora, Dra, deixe-me que lhe diga: este sítio para onde lhe pedi que me mandasse, e para onde me mandou sem me perguntar se queria. de facto, lá chegar (o canudo é seu, convenhamos), é pior que a morte. Não acontece nada aqui. Não existe nada aqui. Quase nem eu. Está tudo tão certo que chega a não importar se está bem. Está sempre tudo tão na mesma que o adjectivo se torna dispensável. </div>
<div>
Está. </div>
<div>
E assim estou eu também. Os azuis de manhã, os brancos ao lanche e o redondinho em s.o.s....</div>
<div>
Estou.</div>
<div>
Está aí alguém?</div>
<div>
E agora, o que faço com isto?</div>
<div>
Gosto?</div>
<div>
A sério?</div>
<div>
E se tomasse o redondinho de manhã? Talvez a coisa se animasse.</div>
<div>
E se fumasse um cigarro no quarto alugado? </div>
<div>
E se fumasse um cigarro na sala da casa do quarto alugado? Isso é que era uma barrigada de riso.</div>
<div>
Uma barrigada de riso com uma coisa sem graça nenhuma. Nem na adolescência me ri de parvoíces do género. </div>
<div>
Foi aqui que me trouxe, Dra. Estou capaz de tudo por um bocadinho de qualquer coisa. </div>
<div>
Acendi o cigarro. </div>
<div>
Porra! </div>
<div>
<div>
E agora, o que faço com isto?</div>
<div>
Gosto?</div>
<div>
A sério?</div>
</div>
<div>
No caso até é fácil. Adoro fumar. Pesa-me na consciência que mate, mas só por um bocadinho. Passa-me logo. (Estou bem resolvida, Dra. Está a ver? Valeu a pena.) Adoro puxar o braseiro com um suspiro fundo, tão fundo, e deixar sair o fumo sem pressa. Trabalha à entrada e à saída, o fumo. Um escravo. O escravo que me resta. O único escravo que me apetece. </div>
<div>
Assim é no sítio onde cheguei. Uma falta de graça que magoa. </div>
<div>
Pode ser falta de hábito. </div>
<div>
Mas ele há coisa mais disparatada do que me esforçar por gostar de uma coisa tão desengraçada? Não, Dra, perdoe-me o mau jeito, mas aqui não fico. </div>
<div>
Não é nada de pessoal, Dra, acredite, mas tenho uma casa inteira para arejar.</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-65320673540112042032015-03-13T12:19:00.002+00:002015-03-13T17:10:33.688+00:00Lenga-lenga derradeira<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
Três pêlos na cara<br />
muitas rugas no queixo<br />
dentes num copo<br />
cabelo de desleixo<br />
<br />
Um altinho nas costas<br />
raízes grossas nas mãos<br />
tantos risquinhos na boca<br />
quatro rodinhas no chão<br />
<br />
Uma dor de verdade<br />
da doença de enfeite<br />
traz-lhe um chá bem quentinho<br />
e arranja que se deite<br />
<br />
Já não vai saltar ao eixo?<br />
<br />
Sorriso grande<br />
sem risquinhos marcados<br />
o copo vazio<br />
os dentes molhados<br />
<br />
Porque ao eixo não pode<br />
vai saltar ao pé coxinho<br />
resta saber se alguém<br />
lhe faz rolar o caminho<br />
<br />
Enrola o melão<br />
desenrola a melancia<br />
quem fará a gentileza<br />
de empurrar a minha tia?<br />
<br />
É que agora não posso<br />
estou muito atrapalhada<br />
Não contes comigo para isso<br />
para quê empurrar o nada?<br />
<br />
Para que brinque um nadinha<br />
mesmo um nadinha de nada<br />
o parque vê-se daqui<br />
coitada se morre sentada<br />
<br />
Se a empurrares de mansinho<br />
salta logo do carrinho<br />
mal veja outro nadinho<br />
rolado por gente ocupada</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-70446164061147399222014-07-31T20:53:00.001+01:002014-08-01T12:57:03.964+01:00Tempo de praia<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div>
Há muito que não tenho tempo a perder com essa história de ter frio na praia. </div>
<div>
E é pena, porque, tanto quanto me lembro, era bom. Bem bom, até.</div>
<div>
A idade faz de nós especialistas à força. Deixamos de ter tempo para gostar da praia em geral e passamos a ter tempo apenas para gostar da praia de determinada maneira. Se vamos à praia e não encontramos as condições específicas que procuramos, nem paramos para pensar, seguimos caminho para a esplanada, ou para o campo, ou para o cinema. Seguimos caminho para onde aquelas exactas condições possam fazer um brilharete. </div>
<div>
Tenho saudades de gostar da praia e das coisas de qualquer maneira, </div>
<div>
de as desejar perfeitas</div>
<div>
e de as receber como são.</div>
<div>
Pelo meio,</div>
<div>
breves momentos de frustração</div>
<div>
um ralhete do pai</div>
<div>
um pontapé à mana</div>
<div>
a mão larga da mãe</div>
<div>
e pumba! o rabo no chão</div>
<div>
- Não te levantas enquanto não pedires desculpa à tua irmã.</div>
<div>
Tenho saudades de ter tempo para esperar,</div>
<div>
chorar </div>
<div>
digerir a irritação </div>
<div>
pedir desculpa à mana</div>
<div>
vestir a camisola</div>
<div>
e depois brincar.</div>
<div>
Quando se tem tempo não importa se chove, se faz sol</div>
<div>
<span style="font-family: 'Helvetica Neue Light', HelveticaNeue-Light, helvetica, arial, sans-serif;">se vem a caminho um furacão. </span></div>
<div>
Podemos só ficar</div>
<div>
a olhar.</div>
<div>
No entretanto, </div>
<div>
aproveita para me dares a mão.</div>
<div>
</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-42715516564539654452014-07-23T17:17:00.001+01:002014-07-23T17:17:02.907+01:00Um galhinho com pouca manteiga para a mesa do canto<div> Se alguém tiver um galhinho que me atire, agradeço. </div><div> Desde que flutue, serve. </div><div> Só preciso que alguma coisa se mantenha à tona. Reparem que não disse "me mantenha à tona". Disso já desisti. Não desisti de viver, nem nada que se pareça. Mas de andar à tona, sim. Não por cepticismo, entenda-se. Bom, talvez por cepticismo, entenda-se. A disposição para duvidar de tudo nasceu comigo, e a realidade confirma que nasceu muito bem. Por isso, Basta-me saber que alguma coisa anda à superfície, para viver mergulhada em paz. E pode ser só um galhinho. A superfície das coisas é tão boa como o seu fundo, e a diversidade é benéfica para a humanidade, dizem.</div><div> Não quero com isto dizer que não dê aos pés e aos bracinhos para, pelo menos de vez em quando, vir cá acima respirar. Sou uma espécie de golfinho, só que bastante menos elegante. Mamífero, sim senhor, mas chega-me uma lufada de ar fresco aqui e ali, para viver feliz lá em baixo.</div><div> Li algures que investigadores americanos chegaram à conclusão que uma noite de sono ideal deve ter, não as oito horas que sempre acreditámos, mas sim sete. A magnífica margem de uma única hora deixa-me a pensar: começamos a contar quando? quando vamos para a cama? Quando adormecemos? E quem é que conta? O qtipo que está a dormir? Parece-me pouco fiável... E os mentirosos? Têm a certeza de que não há mentirosos no estudo? E os delirantes? Alguém ficou à sua mesinha de cabeceira, ou limitaram-se acreditaram nas respostas dadas? Eu não sou de intrigas, mas um em cada quatro indivíduos (ou lá o que é) sofre de algum tipo de perturbação mental... Estou só a dizer...</div><div> Esta conclusão, por si só, choca-me bastante. Mas isto piora, acreditem. Ao que parece, num universo de milhares de doentes de cancro participantes no estudo, os que afirmaram dormir entre 6,5 e 7,4 horas por noite, tinham uma taxa de mortalidade inferior aos restantes. Outros estudos houve, com conclusões semelhantes, em que a precisão de horas de sono carece de vírgulas para se viver saudável, em que dormir seis hora e meia é mais saudável do que dormir sete ou oito, em que se morre mais de cancro por se dormir umas agradáveis onze horas por noite. A sério? Quem morre de cancro, morre de cancro, caramba! Não é uma hora a mais ou a menos que o vai atirar para o abismo. É mesmo o cancro! </div><div> Bem sei que o que escrevo é tão disparatado e impreciso quanto a notícia que li. Ainda assim, isto é um blog. Nem quero com isto dizer que não se devem fazer estudos sobre tudo e mais um par de botas, especialmente sobre o sono que é uma actividade maravilhosa, que se deve fazer bem feita. Aliás, temos de nos ocupar. Se assim não fosse a vida seria, para além de uma treta, um enorme tédio. Ocupamo-nos em nome do dinheiro para pagar as contas no final do mês, mas é do tédio que fugimos. Uns limpam escadas, outros vendem figos, outros fazem estudos... Até aí tudo certo. O que já não me parece tão correcto é que se agitem pergaminhos no ar com resultados tão pouco significativos. Não sei qual é a margem que torna um resultado relevante, mas não acredito que seja meia-hora, principalmente se falamos de doentes de cancro.</div><div> A precisão não existe e ponto final. Quem inventou o relógio devia ser pendurado num plátano pelos pés, até ficar roxo. Não de um roxo qualquer. Havíamos de nos reunir frente ao plátano e debater durante longas horas o RAL desse roxo. O roxo ideal, preciso. Porque agora que já se inventou o fogo e a roda, a malta tem que se entreter com qualquer coisa. </div><div> - Tirem-me daqui, por favor!</div><div> - Silêncio, meu anjo! Estamos a debater um assunto importante e apesar de já estares azulado, esse não me parece ainda o roxo que pretendemos!</div><div> Claro está que quando a comunidade chegasse a uma conclusão sobre o roxo do senhor, já ele estaria verde ou amarelo. E mudo. Vicissitudes inerentes a esta mania da precisão.</div><div> A precisão pode dar jeito em algumas matérias. Nenhuma delas, a meu ver, que separe a vida da morte por meia-horinha apenas. Por exemplo, seria útil determinar-se o RAL do galão escuro e do galão claro; os mililitros da bica cheia, da bica meia-chávena, da bica curta, da bica italiana; a temperatura exacta (em graus centígrados, por exemplo) de um copo de leite morno. Isso sim, seriam coisas úteis para o dia a dia. A mim poupavam-me uma trabalheira do caraças. Acabava-se a treta de ter de pedir café curto onde sei que o café normal vem quase cheio, para poder ter o café meia-chávena que quero. Ou a treta de ter pedir um galão claro na Tentadora, onde os tipos são semíticos com o leite, para conseguir ter o galão "para o escurinho" de que gosto, e não preto como eles querem. </div><div> Certo é que se as coisas fossem assim tão arrumadinhas, nunca teria tido a oportunidade de aprender a ser feliz com um café cheio, apesar de o preferir curto. Ou de ser feliz ao decidir ignorar os ouvidos moucos do empregado azedo que grita para trás do blacão</div><div> - Pão de leite com fiambre e manteiga! </div><div> quando pedi um pão de leite com fiambre e pouca manteiga.</div><div> <span style="font-family: 'Helvetica Neue Light', HelveticaNeue-Light, helvetica, arial, sans-serif;">Resumindo: bom, bom, é só precisar de um galhinho. Alguém?</span></div><div><br></div>Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-31790871120759998092014-07-09T23:16:00.002+01:002014-07-09T23:16:54.234+01:00O Valter vai (mesmo) nu<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Valter
acordou diferente. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Olhou-se
ao espelho e aparentemente tudo em ordem. Talvez os olhos mais magoados do que
o habitual, talvez o rosto mais severo, mas tudo na conformidade do desalento
que o acompanhava há anos. Ignorou-se, longe de saber a desgraça que a noite
lhe trouxera.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> A
discussão violenta da noite passada deixara-o exausto, mas não era cansaço que
sentia. Sabia que não voltaria a ver Leonor, mas não era angústia que o corpo
acusava. Estava seguro da separação - ou da sua inevitabilidade, talvez -, mas não
era alívio o que despertara com ele. Bom, talvez algum alívio, mas não aquele
alívio desejável; geral, sereno. Um alívio inquieto. Alívio por se saber no
caminho certo - ou inevitável, talvez -, e inquieto por ainda não ter lá
chegado.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Preparou
a infusão de mel que tomava quando precisava de falar em público, e por entre o
vapor adocicado que lhe embaciava os óculos a cada golo sorvido, fez uma última
vistoria aos textos que preparara para a apresentação daquela tarde. Tinha uma
enorme oportunidade em mãos, e apesar de ser mais da responsabilidade do acaso
do que do seu talento ou determinação, decidiu agarrá-la com a avidez do filósofo
promissor que fora em tempos. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Caminhava
em roupão pela pequena sala debilmente iluminada, envergando numa das mãos
meia-dúzia de folhas impressas com as suas impressões, que haveriam de
impressionar a plateia, e na outra, uma chávena fumegante a sacralizar o
momento num ritual de defumação. Apesar da casa despida da opinião de Leonor,
gargarejou, solene, o último golo de chá, pousou a chávena na mesinha de centro,
e no momento em que se preparava para simular, para o vazio, a abertura da
palestra, deu-se conta da desgraça que o seu corpo produzira durante a noite. Nenhuma
palavra inteligível lhe saía da boca. Nada. Nem o mais pequeno monossílabo compreensível.
Desesperado, movia os lábios em esgares extravagantes na esperança de se tratar
de uma falha momentânea. Apesar do empenho aflito, apenas sons, harmoniosos até,
mas nada que pudesse servir para esclarecer uma plateia. Valter deteve-se um
momento de pé, cabisbaixo, as mãos caídas ao longo do corpo, a acompanhar a
presilha do roupão que pendia felpuda e assimétrica. Com as mãos caducas das
folhas impressas caídas aos seus pés, despejou o peso do corpo na poltrona.
Sabia muito bem que nada daquilo era inexplicável, aliás, não seria razoável
esperar desfecho diferente. Com os olhos secos de lágrimas gastas, amaldiçoou a
sorte (só um bocadinho, a sorte) e os anos de conversas sérias, redundantes,
inúteis, todas idênticas, todas de si para si (amaldiçoou muito os anos de
conversas de si para si), com que tentara, ignorante, fazer-se entender a
Leonor. Onde pode estar a inteligência de um homem que espera resultados
diferentes de uma mesma acção? Em lado nenhum. Onde pode estar a inteligência
de um homem que ao atirar uma bola para a esquerda, espera que ela vá para a
direita? Nos últimos anos com Leonor, melhorou: passou a esperar apenas que a
bola fosse um bocadinho menos para a esquerda. À primeira vista, dir-se-ia
inteligente a adaptação, mas não, é ainda mais errado. Ser capaz de reconhecer
que faz falta uma mudança e ser tão maricas a pedir. É preciso coragem para
pedir. Quem pede não pode ter medo de que as coisas aconteçam. Ou pode, mas
nesse caso é ainda mais medíocre do que o tipo da bola. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: 'Swis721 Lt BT', sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 150%;"> </span><span style="font-family: 'Swis721 Lt BT', sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 150%;">Se
a evolução da espécie fizera cair o excesso de pelagem do corpo humano por ausência
de função, era apenas justo que o destino tivesse decretado o fim das suas</span><span style="font-family: 'Swis721 Lt BT', sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 150%;"> </span><span style="font-family: 'Swis721 Lt BT', sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 150%;">palavras inúteis. Odiou Leonor com a imensa
paixão da revolta, e desejou, sem certezas, que o destino lhe tivesse roubado a
ela a capacidade de olhar exclusivamente para a direita.</span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Recompôs-se
com esforço do choque inicial e tentou desenhar mentalmente uma estratégia que
lhe permitisse concluir com sucesso a ansiada palestra da tarde. Não
conseguiria falar, é certo, mas talvez pudesse fazer as coisas de outra
maneira. Afinal tinha a apresentação meticulosamente preparada, com imagens
explicativas e textos projectáveis. E havia sempre a possibilidade, ainda que
improvável, de que a desvirtude da fala lhe regressasse a qualquer momento.
Estava decidido a arriscar tudo para não perder a oportunidade que o destino
lhe pusera no caminho. Depois de tantos anos de estudos e reflexões complexas
sobre questões fundamentais da existência humana, e numa altura em que Valter
já não esperava que a sua carreira de filósofo acontecesse para além das aulas
que prestava a alunos do segundo ciclo de um Liceu da periferia, não iria agora
permitir que um percalço, ainda que enorme, deitasse tudo a perder. Vivera
durante demasiados anos quase resignado, quase satisfeito, quase feliz na sua
condição de quase filósofo. Um dia, quem sabe, haveria também de viver quase em paz com a ausência de
Leonor. Nunca imaginou que esta sua quase vida pudesse um dia encher o peito de
ar e atrever-se a respirar fundo novamente. Foi exactamente o que aconteceu no
dia em que Horácio Estima, Presidente da Associação de Pensadores e Filósofos
Portugueses lhe telefonou pessoalmente, inquirindo-o sobre a sua
disponibilidade para integrar o painel de oradores das Jornadas de Reflexão
Filosófica, este ano sob a temática "O papel da análise conceptual na
filosofia contemporânea". Valter não se preocupou demasiado com a falta de
decoro do convite de última hora, para substituir o reconhecido professor
Arnaldo Mesquita que caíra na cama doente a poucos dias do acontecimento. Já
não tinha idade para falsos puritanismos. Independentemente da motivação do
convite, era sem dúvida uma grande oportunidade.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Delineada
a estratégia para contornar o incontornável, Valter livrou-se do conforto morno
do roupão, vestiu as calças de bombazine castanha que o esperavam penduradas de
véspera na cadeira do quarto, voltou a pendurar no roupeiro a camisa que tinha
previamente escolhido para o grande dia, e decidiu-se pela camisola preta de
gola alta. Ninguém estranha que um filósofo se apresente numa conferência sem
camisa bem engomada, e talvez a garganta aconchegada lhe remediasse a desgraça.
Vestiu um blazer suficientemente coçado para a imagem despojada de um pensador
à séria, e correu escada abaixo tão depressa que por momentos se esqueceu de
que corria, muito provavelmente, para a humilhação pública. Entrou de rompante
na pastelaria, e antes que Valter, imprudente, tentasse pedir alguma coisa,<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> -
Bom dia Professor Valter. É o costume, não é verdade?<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Valter
sorriu ao tomar consciência do que podia ter acontecido se tivesse, naquele dia,
evitado a familiaridade daquele café, como fazia nos dias em que não lhe
apetecia grandes conversas. Limitou-se a um aceno de cabeça afirmativo,
colorido por um largo sorriso forçado. A D. Alzira depositou o galão escuro e o queque de passas
no balcão, e, felizmente, também ela não tinha grande vontade de conversar.
Valter engoliu o queque em três dentadas e demorou o galão morno na garganta,
inclinado a cabeça ligeiramente atrás. Mal não faria. Correu para o Fiat Uno
beije que o esperava à porta, sem se lembrar sequer de se despedir da D. Alzira
- ou melhor, sem sequer se lembrar que jamais se poderia ter despedido da D.
Alzira -, e acelerou até ao Centro de Convenções da Ajuda. No rádio velho soava
uma mistura de interferências com uma música estridente da moda. Valter
aproveitou a desordem sonora para pôr uma vez mais à prova as suas (in)capacidades
vocais. Apesar da descoordenação verbal agora minorada pelo ruído confuso, pode
confirmar que nada mudara. <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Quando
chegou ao Centro de Convenções já os trabalhos se tinham iniciado. Correu para
os Bastidores onde o Presidente Horácio Estima o aguardava ansioso e quase
arrependido por ter confiado tamanha responsabilidade a um simples professor de
liceu. O Presidente Estima acompanhou Valter pelo braço até à saleta onde
deveria aguardar a sua altura de entrar em palco. Enquanto caminhavam
apressadamente falou, perguntou, tudo, felizmente, sem esperar resposta.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> -
Mas onde é que você se meteu, homem? Já estava a ficar aflito. Pronto, mas
agora já cá está que é o que importa. Lembre-se do que combinámos, tem um
comando em cima do púlpito que deve usar para mudar a projecção. Não há que
enganar.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> O
Presidente soltou o braço de Valter impelindo-o para dentro da saleta, e fechou
a porta com uma frase, <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> -
Prepare-se que é o próximo a entrar!<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Antes
que tivesse tempo para aflições de última hora, ouviu-se uma voz metálica
chamar o seu nome. Valter retirou da pasta as folhas impressas, ajeitou-as
fazendo-as bater verticalmente na madeira da secretária que justificava o nome
de sala, a um espaço tão exíguo, e depois de fazer ressoar dois ou três sons
cavernosos na garganta, tentou, sem sucesso, imitar a voz que o chamara. Não
conseguia sequer dizer o seu próprio nome. Nem o galão morno, nem o aconchego
da gola alta tinham surtido qualquer efeito. Valter tomou consciência do
sarilho em que se tinha metido e começou a transpirar terror testa abaixo. As
mãos molhadas ondularam as suas notas de papel, e foi assim, reluzente de pavor,
que se apresentou perante uma plateia repleta de ilustres pensadores
internacionalmente reconhecidos. Caminhou timidamente no palco em direcção ao
círculo de luz que gritava humilhação, ajeitou o microfone à sua invulgar
altura, e com os ombros encurvados de pudor, arremessou, com um clique, o primeira
imagem para a enorme parede branca atrás de si. Da plateia negra que se
estendia frente ao palco sopravam murmúrios, certamente inquisitórios.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> -
Quem é este? - Jurou ouvir.<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> O
burburinho inicial diluiu-se rapidamente na penumbra, e o sigilo do círculo
perfeito de luz que designava inequivocamente o orador, quebrou-se à revelia de
si próprio. Sem saber muito bem como tudo aconteceu, Valter endireitou os
ombros e lançou-se destemido à punição, proferindo um encadear de sons melodiosos
que acompanhavam o ritmo das imagens projectadas. O burburinho da plateia negra
voltou a fazer-se ouvir. Sentado na primeira fila, o Presidente não pode
ignorar durante muito tempo os olhares interrogativos dos restantes
espectadores, e demasiado orgulhoso para admitir o erro da escolha, depôs com
segurança,<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> - Este homem é um génio!<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> A
plateia, invertebrada e submissa à opinião inquestionável do Sr. Presidente,
retomou a ordem e aplaudia agora a performance absurda de Valter. A sua apresentação
terminou ovacionada pelo público eufórico, que de pé canonizavam, sem pensar,
um equívoco. O Presidente, inicialmente inchado de orgulho pelo poder magnânimo
da sua influência, e mais tarde dominado pela incerteza da real nudez do orador,
manteve-se fiel à sua avaliação inicial, <o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> -
Verdadeiramente surpreendente! De uma clarividência desconcertante!<o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> Valter
não compreendeu de imediato o porquê dos acontecimentos. Do alto do palanque
não se deu conta de que a onda de aprovação se devia exclusivamente à liderança
cobarde de um, e ao aval cego de todos os outros. Dividido entre a vergonha e a
vaidade e aterrorizado pela euforia da multidão, abandonou o auditório antes
que o Presidente, ou alguém, o pudesse encontrar. Pensava agora em Leonor, no
desejo que tinha de lhe falar, e foi com o raciocínio embriagado que decidiu
procurá-la. Só poderia estar em casa, na casa da tia há anos emigrada no
Canadá. Correu para lá, estacionou o carro em frente à porta, e tocou à
campainha. Claro que Leonor estava em casa. Na verdade não tinha saído o dia
inteiro. O tumulto da noite anterior corroera-lhe por completo o ânimo e telefonara para o consultório a avisar que não
iria trabalhar. Naquele dia Leonor não esperava nada, nem ninguém, muito menos
Valter, e foi com o coração apertado que viu o Fiat Uno estacionado lá em
baixo. Abriu de imediato a porta. Valter subiu os degraus aos pares e deteve-se
apenas ao ver Leonor, vestida com o desleixo de um domingo inútil, e o olhar
húmido a suplicar uma coisa qualquer. Uma explicação, uma justificação, ou até
mesmo uma acusação, um insulto... Valter
caminhou devagar na sua direcção, dando-se tempo para ler os seus desejos. A
cabeça ligeiramente inclinada de Leonor, expondo o pescoço nu à vontade de
Valter, não deixava dúvidas quanto à rendição. Valter abarcou o pescoço
delicado de Leonor com as mãos largas, e no momento em que os seus lábios
tocaram os dela, sentiu duas lágrimas escorrerem-lhe pelo rosto, incitadas
pelos olhos fechados do beijo. Já no sofá, com os corpos agasalhados um no
outro, Valter tentava uma vez mais fazer-se entender àquela que era, sem dúvida
e apesar de tudo, a mulher da sua vida. Leonor por sua vez, escutava atenta o melodioso
discurso sem sentido de Valter, e em vez de estranheza, pode finalmente
encontrar o que precisava de ouvir, nas coisas que ele não dizia.</span><span style="font-family: 'Swis721 Lt BT', sans-serif; font-size: 10pt; line-height: 150%;"> </span></div>
<div style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<br />
<div style="line-height: 150%;">
<span style="font-family: "Swis721 Lt BT","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 150%;"> E agora com licença que o narrador
vai para dentro. Valter e Leonor fizeram desta história o que bem entenderam,
que não é mais do que as coisas como elas são - escorregadias - e o narrador
reserva-se o direito de não ter saco para atirar mais bolas.<o:p></o:p></span></div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-61368326015664916912014-06-30T01:34:00.001+01:002014-06-30T01:34:36.524+01:00Preocupa são<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="Corpo">
Não te preocupes meu amor</div>
<div class="Corpo">
esta tristeza vai muito para além de ti</div>
<div class="Corpo">
e de mim</div>
<div class="Corpo">
Tem o tamanho das coisas como elas não são</div>
<div class="Corpo">
Por isso nunca te preocupes meu amor</div>
<div class="Corpo">
ela vai muito para além daqui</div>
<div class="Corpo">
Não há quem culpar</div>
<div class="Corpo">
Esta tristeza não me chega de ti</div>
<div class="Corpo">
nem de mim</div>
<div class="Corpo">
Tão pequenos tu e eu</div>
<div class="Corpo">
Inquietar-nos seria em vão</div>
<div class="Corpo">
Por isso te digo</div>
<div class="Corpo">
não te preocupes meu amor</div>
<div class="Corpo">
Eu cuido não me preocupar</div>
<div class="Corpo">
se me falhaste ou nem me viste</div>
<div class="Corpo">
Que relevância perto das coisas como elas são?</div>
<div class="Corpo">
Eu cuido não me preocupar</div>
<div class="Corpo">
mas a tristeza insiste</div>
<div class="Corpo">
e insiste</div>
<div class="Corpo">
Não chores meu amor</div>
<div class="Corpo">
não te preocupes se me mentiste</div>
<div class="Corpo">
A verdade está ainda por descobrir</div>
<div class="Corpo">
nada garante que se encontre mais salubre que esta triste</div>
<div class="Corpo">
mágoa de não saber procurar</div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-15251982866581348842014-06-02T18:16:00.001+01:002014-06-03T00:45:23.466+01:00INÚTIL<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div>
<i>Lembrei-me há dias deste ser levezinho, que nasceu de um generoso convite da minha querida Estelle Valente. No lindíssimo blog "<a href="http://lesombresdutemps.blogspot.pt/">Les Ombres du Temps</a>", empresta as suas maravilhosas fotografias a quem lhe empreste algumas palavras. Assim fizemos. Considero esta foto um bocadinho minha e este ser levezinho é todo teu, Estelle. </i></div>
<div>
<br /></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEXEBOBc1pWnZFyG-8C7YE7J7u3iWHFaIsmt7pRGE1gPB-61iCJhQl8C2Yz6zOSDp0_kPwKiAVWSpN9n380Drxc1QK6j3-Oe9ut2rOQi3igvO7Nsq8VpOwi4O6kWcMa4oqNyLYPQLYfEOO/s640/blogger-image-1011163031.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEXEBOBc1pWnZFyG-8C7YE7J7u3iWHFaIsmt7pRGE1gPB-61iCJhQl8C2Yz6zOSDp0_kPwKiAVWSpN9n380Drxc1QK6j3-Oe9ut2rOQi3igvO7Nsq8VpOwi4O6kWcMa4oqNyLYPQLYfEOO/s640/blogger-image-1011163031.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both;">
<span style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"><i>Fotografia : Estelle Valente</i></span></div>
<div class="separator" style="clear: both;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both;">
</div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> </span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"><br /></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Segura-me inútil, assim tombada de tudo e de nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Segura-me, inútil!<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Segura-me ainda que de nada te sirva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Somos iguais, tu e eu, não vês?<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Abraça com força o inútil de mim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Larga o resto que não sobra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Não há que temer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Deixa ao medo o nada que resta do que seguras,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> é tão pouco o que te confio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Não pode ser assim tão difícil,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> um quase nada de gente,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> levezinho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Não há Cerélac capaz de engordar a gente que não sou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Nasceu assim o bébé,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> enfezado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Nem com papas lá vai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> É só,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> atirar ao ar e voltar a agarrar<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> atirar ao ar e voltar a agarrar<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> atirar ao ar e voltar a agarrar....<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Só isso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Vais ver como ri de felicidade,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> ou lá do que riem os seres levezinhos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> É só isso que quer,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> que o segures.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Nem que o atires,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> que o segures.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Mas se para isso tiver de voar,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> não se importa,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> fecha os olhos com força e quando voltar a olhar,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> já ri,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> seguro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Segura-o inútil, assim tombado no ar,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> de cada vez que voa,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> de cada vez que ri.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Segura-o inútil, assim tombado de tudo e de nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Inútil?<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Não... levezinho, apenas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Lembra-te,<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> atirar ao ar e voltar a agarrar<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> atirar ao ar e voltar a agarrar<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> atirar ao ar e voltar a agarrar....<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Repara como ri.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Que importa se de felicidade ou se de outra fantasia qualquer?<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Segura-me, inútil!<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Ri-te, inútil!<o:p></o:p></span></div>
<div class="Body1">
<span lang="PT" style="-webkit-text-size-adjust: auto; background-color: rgba(255, 255, 255, 0);"> Aproveita se te faço útil.</span></div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-89632595621220095892014-05-19T14:16:00.000+01:002014-05-19T14:16:26.896+01:00Todos juntos, vá lá... (Perdoa-me Vinicius)<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Era uma vida muito sem fim<br />
tinha um caminho mais que ruim<br />
Não se podia parar no meio<br />
porque o passado roubara o recreio<br />
<br />
Era uma vida muito danada<br />
só tinha medo e um pouco de nada.<br />
Não se podia fugir de lá<br />
porque correr assustado não dá<br />
<br />
Era uma vida muito engraçada<br />
tinha uma graça desmesurada<br />
Não se podia viver ali<br />
porque diabo me calhou a mim?<br />
<br />
Era uma vida muito engraçada<br />
tinha uma graça com pouca piada<br />
Era preciso quem lá ficasse<br />
por isso reza e espera que passe</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-63065209804816512342014-05-13T19:43:00.000+01:002014-05-13T19:43:49.122+01:00Da sede em geral, e do amor em particular<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Quando sei alguma coisa, sei exactamente o que quero.<br />
Se peço uma Água das Pedras e me oferecem Vidago, agradeço mas vou ao café do lado.<br />
O pior é a sede.<br />
As generalizações são traiçoeiras. Não tanto no caso da água que é, incolor, inodora, insípida, ou seja, suficientemente in para ser inócua, mas em casos um pouco mais fora de moda, tomar a partícula pelo todo, pode ter consequências trágicas.<br />
Mas mesmo no caso simples da água. quando me calha em sorte o saber, só me basto com o que quero. Nem mais nem menos. Parece-me justo aproveitar os momentos de lucidez para fazer a coisa certa.<br />
O pior é a sede.<br />
A sede estraga tudo, quando aperta, não é preciso ser-se estrangeiro para se ser capaz de qualquer coisa. O ideal é ir tomando água ao longo do dia, para evitar que o diabo se nos instale no corpo e desate a fazer asneira da grossa por aí.<br />
Para enorme desgosto do meu pai, que me preferia mais sóbria, <br />
tenho bebido Vidago vezes demais!<br />
Antes água que vinho, é certo. Ainda assim lamento, não saber cuidar sempre (ou pelo menos quase sempre) da partícula como ela merece. Eu (e vocês também, não pensem...) mereço exactamente aquilo que tenho; no meu caso, ora um copinho de Pedras, ora uns garrafões de Vidago, no vosso, noutra proporção qualquer.<br />
Prometo melhorar, Pai. Sem chorar nem nada. Chorar só piora as coisas, desidrata. Vou só respirar, pai. Levantar a cabeça, respirar e andar. Quando me voltares a ver vou ser toda partículas reluzentes, vais ver. Qual todo qual quê! Ninguém vai poder ver o todo. O olhar vai-lhes ficar grudado em cada milímetro meu, todos no sítio certo, distintos, únicos, escolhidos por mim e não mais por esta sede louca que se torce cá dentro.</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-84544105692870337602014-05-08T20:20:00.001+01:002014-05-08T20:20:29.667+01:00...<div>Vivia por ti se preciso fosse</div><div>Assim seria</div><div>sem medos nem rodeios</div><div>sem angústias ou coveiros</div><div>Tolerava por ti o duelo doce</div><div>de quem suspeita que a vida é só o meio</div><div>Traz-me a guitarra e o sinal</div><div>o sinal de não faz mal</div><div>Toca o destino em ré menor</div><div>quem sabe encontras quem te embale</div><div>De música pouco conheço</div><div>só o desenho da clave de sol</div><div>Onde a penduro, não sei bem</div><div>por agora deixa-a ficar</div><div>enroladinha, não faz mal</div><div>Toca o destino em ré menor</div><div>guarda o maior para o final</div><div><br></div>Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-9605021344196522662014-04-04T18:46:00.001+01:002014-04-04T18:46:15.997+01:00Anita vai sozinha ao bloco<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Eu até gosto de hospitais.<br />
<div>
Na verdade até me acalmo com hospitais.</div>
<div>
Há quem se acalme com álcool, cocaína ou heroína, por isso, paizinho, há que ver as coisas pelo lado positivo: até não estou nada mal! Não se pode dizer que seja mais barato, mas é certamente menos prejudicial à saúde. Sim, apenas menos prejudicial, se não vejamos: são poucos os que entram num hospital sem nada e saem assim mesmo. Na sua maioria, as pessoas saem do hospital com qualquer coisinha que lhes justifique o mal-estar. Parece-me justo. Para não variar, eu faço parte da minoria (apre, que já me falta a paciência!), entro saudável e saio ainda melhor. É preciso ter azar.</div>
<div>
Numa tentativa de contrariar o destino, decidi recentemente fazer um check-up à minha condição humana. Escolhi um médico, queixei-me de tudo o que podia ter, e saí da primeira consulta com uma resma de exames para realizar com urgência. Foi um mês magnífico! Entre macas e batas brancas, muitas vezes me despi e vesti eu à procura do nada que me atormentava. Fui inspeccionada da ponta dos cabelos à unha do dedo mindinho. Tudo normal. Análises quase perfeitas. Tinha quase uma série de coisas, mas na verdade não chegava a ter nada. Tinha quase colesterol, quase sinusite, quase escoliose, quase varizes, mas pior ainda, estava quase pré-diabética. Uma hiponcondríaca pré-diabética é já de si humilhante, mas quase pré-diabética é doença fatal para alguém da minha fraca condição espiritual. Quase e pré, na mesma frase, é diagnóstico que ninguém merece. Que espécie de falhada sou, Deus meu?<br />
Já o médico batia com a resma de relatórios admiráveis na mesa, para os organizar num molhinho também ele admirável, enquanto sorria encantado dizendo,<br />
<i>- Você está óptima, Sofia, tem saúde para dar e vender! </i><br />
quando me lembrei de um último trunfo que me podia salvar a honra.<br />
<i>- Doutor, esqueci-me de lhe mostrar um sinal que tenho no dedo do pé. </i><br />
Visivelmente enfastiado, dedicou-me mais uns minutos da sua atenção,<br />
<i>- Vamos lá ver isso.</i><br />
Viu.<br />
<i>- Isto é para tirar imediatamente!</i><br />
Teria preferido um<i> urgentemente</i>, mas o<i> imediatamente</i> serviu-me bem a gravidade desejada.<br />
Seguiu-se mais uma semana magnífica. Visitei três médicos em poucos dias. Dois cirurgiões que concordaram tratar-se de um caso para a cirurgia plástica, e um cirurgião plástico que, de tão vaidoso, não duvidou ser a pessoa indicada para tratar do assunto. Gosto de médicos confiantes, pelo que, nem a sua escassa simpatia, nem o seu sorriso malandro me incomodaram; estava entregue a um perito!<br />
Marcámos a data da cirurgia que, para minha enorme felicidade, teria de ser realizada em bloco operatório. Em bloco, imagine-se! Não estávamos ali a brincar, não era uma coisa para: estique-se aqui na marquesa que lhe arranco isso em três tempos. Nada disso! Tratava-se de um assunto sério que merecia o respeito de todos. Ou isso, ou, como concluí mais tarde, o cirurgião vaidoso só trabalhava em bloco. Mariquices de quem tem um ego transbordante e se pode dar ao luxo de certas extravagâncias.<br />
Durante as semanas que antecederam a operação (repare-se bem na grandeza da palavra. Operada. Eu ia mesmo ser operada. Finalmente fazia-se justiça e eu ia ter um tratamento à altura dos meus sintomas. Físicos ou espirituais, pouco importava, desde que julgados na medida certa. E a medida certa era, posso garantir, enorme.) dediquei-me à dura tarefa de convencer o meu seguro de saúde da necessidade incontornável do procedimento requisitado pelo médico. Não foi fácil. Chorei ao telefone perante a eminência da não aprovação do pedido, ameacei processar a seguradora ou o médico, jurei que pretendia agir judicialmente contra a parte que se concluísse estar a agir de má fé - ou a seguradora por duvidar da seriedade do médico vaidoso, ou o médico vaidoso por requerer actos desnecessários à resolução do problema. Alguém atentava contra a minha saúde e eu estava decidida a levar o caso até às últimas consequências. A seguradora tentou acalmar os ânimos, garantiu que remeteria novamente o caso a apreciação do seu gabinete clínico, que certamente o aprovaria. Enervei-me ainda mais, claro está. O meu espírito já débil incendiou-se ao saber que, uma pressãozinha aqui e um apertão acolá, bastariam para ver aprovada a cirurgias. Contestei a necessidade de existência do gabinete clínico da seguradora, uma vez que eu já tinha escolhido um médico, que era vaidoso, é um facto, mas não fazia parte desse grupo iluminado de profissionais que diariamente se sentam a uma secretária e dão o seu aval, ou não, às decisões de outros profissionais. Aliás, o médico vaidoso não tinha sustentado a sua decisão na apreciação de meia dúzia de relatórios. O médico vaidoso tinha pegado efectivamente no meu dedo, dedo esse que fazia parte de um conjunto de dedos (cinco) separados entre si por carrapetas fedorentas deixadas pelas meias pretas de inverno. Logo aí, o médico vaidoso levava larga vantagem.<br />
A seguradora acabou por aprovar o pedido, desconfio que mais para não me voltar a ouvir, do que por entender necessária uma ida ao bloco para fazer a excisão de um sinal.<br />
Dei entrada no hospital às duas da tarde. Tinham-me pedido para me apresentar em jejum e foi o que fiz. Quando a recepcionista me disse para aguardar na sala de espera, perguntei se teria tempo de ir buscar uma água. A senhora respondeu-me, num revirar de olhos, que devia estar em jejum. Pensei mandá-la para aquele sítio ou ao oftalmologista, mas segurei-me. Sentei-me tranquila à espera de vez, e procurei na internet a definição exacta de jejum. Verifiquei que era eu que estava certa; jejuar é apenas não comer, e que eu saiba a água não se come. Tive vontade de esclarecer o assunto junto da senhora dos olhos tortos, mas voltei a segurar-me. Pareceu-me óbvio não haver oftalmologista em sítio nenhum do mundo capaz de a salvar.<br />
Na sala de espera tive oportunidade de responder afirmativamente a duas velhotas que me perguntaram se estava ali sozinha. Pedi-lhes um momento, mandei rufar os tambores, deixei descair a beiça e os cantos do olhos e respondi, gloriosa: sim. A minha mãezinha que me perdoe, cada um faz o que pode pela vida, e nenhuma das velhas viria algum dia a saber quem eram afinal os progenitores capazes de deixar a filha ir sozinha para uma operação. E ainda bem, porque se viessem a saber, acabariam por descobrir também que só não estavam presentes porque eu não permiti. Como disse: cada um faz o que pode pela vida e por um bocadinho de atenção.<br />
Repeti este sim diversas vezes ao longo do processo: ao enfermeiro que me conduziu ao quarto e me estendeu três embrulhos plásticos (bata + sapatos + touca, tudo descartável); à enfermeira que me veio colocar o soro; ao auxiliar que me empurrou a maca até ao bloco (aliás, este tipo irritou-me à brava. Eu ponho a touca quando quiser. Quem é que disse que só é preciso colocá-la à entrada do bloco?) e haveria de ter muitas outras oportunidades de responder sim até ao final da tarde, altura em que deveria ter alta. Foi uma barrigada de atenção a tarde inteira. Porém, no momento em que vi os tectos brancos deslizarem sobre mim ao longo dos intermináveis corredores a cheirar a éter, desceu em mim um pânico incontrolável. A leveza com que passavam a minha maca de mão em mão<br />
<i>- Esta senhora vai para o oito. Levas?</i><br />
<i>- É para quem?</i><br />
<i>- Para o professor. </i><br />
deixava-me de boca aberta. Para o professor? Qual professor? Não será melhor dizeres-lhe QUAL o professor? Queres-me convencer que o vaidoso é o único professor do hospital? Levantei a cabeça entoucada de um verde estéril, fixei a cara do tipo que agora me deixava e olhei para o tipo a quem estava entregue<br />
<i>- Olhe, desculpe... Olá, o meu nome é Sofia Cunha e vim só tirar um sinal do pé.</i><br />
Olhou-me como se ouvisse um morto falar, como se fosse impossível uma tipa numa maca dizer o que quer que fosse e eu reforcei a ideia<br />
<i>- Esquerdo. É o pé esquerdo.</i><br />
E assim passei a fazer de cada vez que me passavam de mão<br />
<i>- É para o oito. Levas?</i><br />
<i>- Olhe, desculpe... Olá, o meu nome é Sofia Cunha e vim só tirar um sinal do pé</i><br />
Sim, fiz esta figura por várias vezes. Antes fazer papel de tonta do que sair de lá sem um órgão saudável.<br />
Riam-se, comentavam entre eles a minha aflição, tratavam-me como a anormal que sou, mas achavam graça e por isso preocupavam-se. Que tarde perfeita!<br />
Mas o que é bom não dura para sempre e este acabou no momento em que o médico vaidoso me espetou a agulha no osso para aplicar a anestesia e perguntou<br />
<i>- Dói-lhe Ana Sofia?</i><br />
<i>- O que é que te parece, ó vaidoso? Espeta uma agulha no teu dedinho para veres o que é bom!</i><br />
Uma enfermeira maternal tentou acalmar-me<br />
<i>- Pense em coisas boas. Onde é que gostava de estar agora, Ana Sofia?</i><br />
<i>- Poupe o seu latim, mãezinha! Eu sou ansiosa há trinta e sete anos e isso não vai mudar no momento em que me estão a cortar metade de um dedo!</i><br />
<i>- Respire fundo, Ana Sofia...</i><br />
<i>- Por amor de Deus parem de me chamar Ana Sofia. Como é que querem que eu descontraia se não param de me chamar o nome dos ralhetes? Não fui eu, mãe, foi a mana, juro!</i><br />
Esperneei, gritei, pedi socorro, mas o vaidoso não se deixou comover. Ao fim de poucos minutos já me tinha cosido a cabeça do vizinho do dedão com sete pontos e o seu cabelo continuava impecavelmente penteado, nem um fiozinho fora do lugar. Já de pé, olhou-me os olhos arregalados de ansiedade e estou certa de que pensou<br />
<i>- Deixe lá, cada um faz o que pode pela vida. </i></div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-24797972052495253502014-02-25T18:01:00.001+00:002014-02-25T20:24:19.457+00:00...<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Quero, posso, e não mando<br />
Vagueio por aí limitada a querer<br />
Quero, posso, e só ando<br />
Frente ou trás<br />
Por onde passo,<br />
não estás.<br />
<br />
Zás!<br />
<br />
Quem manda aqui?<br />
<br />
Por onde vais,<br />
não vás<br />
Diz-me ao menos que caminho te traz.<br />
<br />
Quero, posso, e não mando<br />
Vagueio por aí limitada a querer<br />
Quero, posso, e não ando<br />
Nem para a frente,<br />
nem para trás.<br />
<br />
Quem manda aqui?<br />
<br />
Quero ou quis?<br />
<br />
Sem ti,<br />
tanto me faz.</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-11626387316537520192013-12-10T01:56:00.001+00:002013-12-10T01:56:35.675+00:00Monólogo de amor<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
E nisto uma vontade fatal de te escrever<br />
<div>
de te ter em linhas que não chegarás a ler</div>
<div>
de te poder comigo como só eu te sei crer<br />
de seres meu e eu tão tua sem ninguém o saber.<br />
Nem tu<br />
só eu.<br />
Tudo meu<br />
tu e eu.<br />
Resta-me escrever, escrever...</div>
<div>
Tocar-te sem temer<br />
que não me queiras </div>
<div>
que não te possa</div>
<div>
que algum dia saibas ler</div>
<div>
mentiras toscas se te digo</div>
<div>
<i>desconsidere, sou louca, não sei se está a ver...</i><br />
Se te imploro<br />
<i>Como queira, embale-me se lhe convier...</i></div>
<div>
Sou louca, garanto, não tem o que temer.<br />
O amor que anuncio vem todo do coração<br />
sem propósito</div>
<div>
ou indícios de razão.</div>
<div>
Por isso perdão, doutor, perdão!</div>
<div>
O amor que anuncio<br />
na verdade é só paixão.<br />
<br /></div>
</div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-14972886479041216372013-11-24T23:43:00.000+00:002013-11-28T00:01:30.401+00:00O gato que há em mim<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Mesmo não sendo admiradora de felinos domésticos, sinto que há um gato em mim. </div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Não no sentido literal, naturalmente. Vai longe o tempo em que me parecia perfeitamente razoável, que uma cobra engolisse um elefante inteiro, que mais tarde alguém usaria como chapéu. Ainda assim, lembro-me, com exatidão suficiente para ficar desde já horrorizada, das noites passadas a engendrar como haveria de me safar às ordens da mãe<br>
- Põe o chapéu, Sofia!<br>
Não há mãe que não se aflija com a cabecinha da sua cria ao sol. Para as proteger, espetam-lhes uma cobra com um elefante inteiro na barriga, em cima da cabeça. Bem pensado, de facto. Só os cuidados extremosos de uma mãe são capazes de parir tal ideia. Nada daquilo me fazia sentido, ainda mais por não ver nenhuma mãe, com animais selvagens na cabeça.<br>
Os chapéus são coisas para crianças e agora que já não uso disso, deu-me para isto; </div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">para me achar contentora de um gato. </div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Bem vistas as coisas, há evolução no meu processo mental. Seria pior, e bastante mais indigesto, se me achasse contentora de uma girafa, ou de outro animal exótico qualquer. Tal ideia jamais me passaria pela cabeça, é do conhecimento geral que não se engolem chapéus.<br>
</div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Quer o sol brilhe ou não, quer a mãe queira ou não, o que há em mim não é um chapéu, mas sim um gato.</div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Tenho um talento bestial para ser feliz estendida numa cadeira do meu terraço, a lamber enganos e pecados para fora de mim, durante um dia inteirinho. Quero chegar à noite toda emendada, por isso não faço intervalos para refeições nem nada. Não preciso de alimento para me deixar estar, sossegada, a crescer. A respiração reduzida ao essencial para que não me morra o corpo, e poupo anos de vida, penso. Que satisfação. O que não respirei agora, respirarei mais tarde, contigo. Nunca se sabe quando nos fará falta tempo extra, dias extra, horas extra, minutos extra, ou, no teu caso, um segundo extra que seja. Poupo para ti. Exalto-me por momentos ao pensar no nosso assunto, mas depressa retorno à sobrevivência da espera. Dez pulsações por minuto. Chega perfeitamente para o que vim aqui fazer; cuidar da higiene do passado e rezar-te no futuro. Não rezo com rezas ou assim, não me interessam orações. Rezar a sério é só pensar e querer com muita fprça. Rezar não é dizer palavras cadenciadas e desenhar uma cruz na testa ou no peito no final. Não. Rezar é cair, levantar, acreditar e fazer; tropeçar, continuar, acreditar e fazer... E assim sucessivamente até se cair de vez, ou até te encontrar de vez. </div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">- Tanta merda para chegares à brilhante conclusão que rezar é acreditar e fazer, Sofia! </div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Rezar é um verbo, e um verbo pressupõe uma acção, qualquer professora primária pode confirmar isso mesmo. É um verbo falacioso, é certo, tal como esperar ou amar. A pessoa pensa que é só estar ali, sem fazer nada, e depois trama-se.</div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">- Então e o gato, Sofia?</div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">O gato ficou com o pêlo lindo, brilhante que nem dava para acreditar. Quem o visse parecia um gato novo, mas diz a vizinha de baixo que quando deixou o terraço, andou a noite inteira às voltas, engasgado. Pensava-se que morria, o desgraçado. <span style="font-family: 'Helvetica Neue Light', HelveticaNeue-Light, helvetica, arial, sans-serif;">Mas não, assim que me consegui livrar da bola de pêlo, pus-me a rezar.</span></div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Agora é só amar e esperar. Esperar e amar...</div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br></div><div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br></div>
Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5919540457115110827.post-5763918409427186142013-11-13T22:34:00.001+00:002013-11-14T07:16:29.479+00:00O Morgado<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<span style="color: #999999;">Em Fevereiro de 2012, durante o Curso de Escrita Literária da Restart, a minha querida professora </span><a href="http://margaridafonsecasantos.blogspot.pt/">Margarida Fonseca Santos</a><span style="color: #999999;">, fez-nos escrever um conto infantil. Eu, que nunca me tinha imaginado nesse papel, escrevi. E pior, gostei. O Morgado ficou este tempo todo guardado na gaveta, sem desejo de ir a lado nenhum. Porém, o desafio de ler uma história aos alunos da sala da minha (sobrinha) do meio, a Joaninha, fê-lo sair. E agora é que vão ser elas. É que deixá-lo aqui para os graúdos, é uma coisa, mas lê-lo, ao vivo e sem as cores das ilustrações, a miúdos de sete anos, é um desafio muito maior.</span><br />
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<span style="color: #999999;"><br /></span></div>
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<span style="color: #999999;">***</span></div>
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O Morgado era um cão especial. Não só por ser da mais pura das raças, mas também por conseguir farejar uma lebre a quilómetros de distância. Tinha o faro mais apurado que o caçador alguma vez tinha visto. Era o cão de uma vida e por isso era tratado com exceção. Não se misturava com os restantes rafeiros.</div>
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Não! Nem pensar!</div>
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O Morgado era o príncipe da casa. Comia na sala junto à mesa dos donos, dormia numa banqueta forrada a pura lã de ovelha e usava uma coleira de couro verdadeiro, com uma medalha de bronze, onde se podia ler o seu nome e a morada do caçador. Nunca se poderia perder, o Morgado.</div>
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Não! Nem pensar!<br />
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Das poucas vezes que saía de casa, parava um momento à porta, levantava a cauda bem alto, enchia o peito com a enorme soberba de um cão de linhagem e, só então, com o nariz empinado caminhava altivo por entre os dezassete cães rafeiros, sem coleiras nem medalhas. Sua excelência, o Morgado ia só arejar. Olhava com desdém as brincadeiras empoeiradas dos rafeiros e seguia o seu caminho, em bicos de pés, para não se sujar. Não estava ali para brincar com cães de pêlo cerdoso e patas cheias de lama. <br />
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Não! Nem pensar! <br />
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Aos domingos de caça os dezassete rafeiros de perna curta viajavam amontoados num atrelado velho e ferrugento, enquanto o Morgado seguia viagem, magnificamente instalado, numa manta felpuda colocada traseira do carro, onde dormia tranquilo durante a longa viagem até à floresta onde moravam quase todas as lebres do Universo. Só raras vezes levantava ligeiramente a cabeça e espreitava, arrogante, a balbúrdia que ia no interior do atrelado. Jamais se poderia ali imaginar. <br />
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Não! Nem pensar! <br />
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Durante a caçada seguia confiante na frente da matilha, de cabeça baixa, focinho rasteiro, e numa linha recta que só o Morgado, cão de raça pura e faro delicado, sabia desenhar. Os dezassete rafeiros seguiam-no em Ss desastrados, com a cabeça no ar e sempre a espiar o mestre que os havia de comandar. Os rafeiros não precisavam de farejar. <br />
<br />
Não! Nem pensar! <br />
O ilustre Morgado sabia muito bem para onde os levar.<br />
<br />
Um dia, porém, aconteceu o que ninguém podia imaginar. O distinto Morgado deixou de conseguir cheirar, e o caçador furioso queria-o mandar matar. Mas a mulher ofendida, com tão monstruosa ideia, gritou de imediato: <br />
<br />
- Não! Nem pensar! <br />
<br />
O caçador, contrariado, obedeceu à mulher, mas nesse mesmo dia, tratou de o castigar. Arrancou-lhe a coleira com um puxão e atirou-o para a rua, dizendo: <br />
<br />
- Aqui em casa, não! Nem pensar! <br />
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Os primeiros tempos não foram nada fáceis para o ilustre Morgado. Foram até de grande desgraça, o pobre Morgado levou tempo até se acostumar. Dormir ao relento não tem graça nenhuma, e é muito triste não ter com quem conversar. Os rafeiros, toda a gente sabe, são cães que só sabem ladrar. Mas o pior chegou no domingo seguinte em que foram caçar. Ia o ilustre Morgado trepar para o banco traseiro, quando o caçador gritou:<br />
<br />
- Sai daí malandro! Esse já não é o teu lugar! <br />
e chamou outro cão, dez anos mais novo e acabadinho de chegar:<br />
- Anda daí, rapaz, o teu reinado está só a começar.<br />
<br />
O Morgado teve de se convencer que era no atrelado que teria de se enfiar. Meteu o rabo entre as pernas e, ajeitou-se a um canto, com as beiças cheias de baba de um rafeiro a taparem-lhe o olhar. Desgraçado da vida o ex-magnífico Morgado, estava triste que doía, e quando viu o outro cão, todo aprumado, abrir um enorme bocejo do alto do seu ex-lugar, partiu-se-lhe o coração e desmanchou-se a chorar. Então e não é que um dos rafeiros, que o Morgado suspeitava só saber ladrar, de pronto lhe disse: <br />
<br />
- Deixa-te disso! Queres brincar? <br />
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O Morgado não fazia ideia o que isso era. Em casa do caçador costumava passar o dia inteiro a relaxar. Mas disse logo que sim, afinal não custa experimentar. Aquilo é que foi um reboliço no atrelado. Os rafeiros estavam loucos de felicidade por terem o mestre Morgado junto deles. Pouco lhes importava se conseguia cheirar, ou se não conseguia cheirar. Mordiam-lhe as orelhas, puxavam-lhe o rabo, tudo com jeitinho para não o magoar.<br />
<br />
Não! Nem pensar! <br />
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O atrelado fez o caminho num verdadeiro virote, a balançar para lá e para cá. Foi uma sorte não se virar. De início o Morgado não sabia o que pensar. Não era mau de todo aquilo da brincadeira, mas o mau hálito dos rafeiros era difícil de suportar. Enjoou um pouco ao princípio, mas estava tão entretido com a galhofa, que pouco tempo depois já não dava por nada. Aliás, a meio do caminho lembrou-se, que já nem sabia cheirar. O mau cheiro que sentia só podia ser obra da sua imaginação. Quem é que disse que os rafeiros cheiram mal? Deve ter sido o caçador que nem sabe farejar.</div>
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Assim que chegaram à floresta saltaram todos cá para fora num reboliço que só visto. Aquilo é que foi correr sem parar. Tinham quase todas as lebres do Universo para caçar e tinham que se despachar. Os rafeiros corriam que nem tontos de um lado para o outro como de costume e o Morgado seguia-os para os tentar imitar. No fim da caçada, com as patas enlameadas e as beiças cheias de baba de tanto brincar, o Morgado deitou-se na relva, ao sol, de papo para o ar.<br />
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A caçada tinha sido uma desgraça. Nem uma lebre para amostra. O cão novo, coitado, não estava habituado a caçar. Apesar de um faro bestial, faltava-lhe experiência para se saber desenrascar. O caçador furioso com o seu novo cão de caça que afinal não sabia caçar, chamou o Morgado para a traseira do carro:<br />
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- Anda velhote, sempre dás para remediar! Este desgraçado caríssimo não serve nem para....</div>
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O ex-ilustre Morgado nem o deixou terminar. Fugiu para o atrelado e gritou<br />
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- Essa agora... Nem pensar!</div>
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Sofia Cunhahttp://www.blogger.com/profile/05716563431750916435noreply@blogger.com0