terça-feira, 27 de julho de 2010

Pastelaria e muito mais

Vou ser o primeiro bolo redondo,
feito numa forma quadrada.

E uma vez mais, o Sol

Deu-se conta que numa dezena e tal de anos nunca tinha observado cuidadosamente onde se punha o sol no seu Bairro.
Que vergonha.
Sabia que era algures para os lados do rio, tal como sabia que as galinhas não têm dentes.
Sentou-se no terraço e esperou , mas o anoitecer não lhe trouxe certezas. As nuvens teimosas borraram a precisão do acontecimento e inundaram o céu de laranja.
Registou o momento num fotograma e prometeu a si mesma não voltar a olhar.
Afinal o sol cai onde quisermos.


domingo, 25 de julho de 2010

E...?

Quando tropeço num problema, respondo-lhe com um
- E...?
"E" é a vogal mais importante. Devia, na minha opinião, ser a primeira: e, a, i, o, u.
- Perdeste o avião.
- E...?
- É Agosto e chove a potes.
- E...?
- O esparguete cozeu demais.
- E...?
Resulta ainda melhor quando combinado com um "depois".
- É Agosto, está um calor infernal e tu não estás de férias.
- E depois?
Ou talvez não. "Depois" afinal é ruído, supérfluo. "E" funciona melhor sozinho.
- É Agosto, está um calor infernal e tu não estás de férias.
- E...?
(Sozinho, sem dúvida)
- Morreu o Carlos.
- E...?
Só aqui não funciona.
De resto, "e" para vocês todos* e para mim também.

*Todos é claramente uma força de expressão

O caruncho e outras verdades esquisitas

Agora sim, é oficial. Vê-se. Por isso pode dizer-se sem medo
- Há caruncho no soalho.
Por mais que se diga por aí, que todos os sentidos têm função idêntica na nossa relação com o mundo, a experiência diz-me que a visão é de longe o mais importante. Só ela pode escrever uma verdade. Os outros sentidos são primos pobres e impotentes a insistir com a prima rica
- Despacha-te. Vem cá dar uma mãozinha. Já não posso com este tipo a duvidar da existência de caruncho. Nada rói assim, nesta gritaria. Qual é a dúvida? É caruncho caramba!
Como uma irmã mais nova que diz para a irmã mais velha
- Vai lá tu pedir à mãe. Ela a ti ouve-te.
Pois é, ou devia ser, mas afinal não é. Se não há buracos nas tábuas nem pó de madeira roída, não há provas. Logo, o caruncho é inocente, ou melhor, qual caruncho? Não há caruncho. O barulho infernal que não me deixa dormir, é outra coisa qualquer.
Chamei um senhor importante, com cartões de visita impressos em papel de primeira classe, para dar o veredicto final.
- Pois, não vejo cá nada.
- Sim, ainda não há sintomas visíveis, mas o senhor não está a ouvir o mesmo que eu? Dê-me um segundo que vou desligar o televisor (gosto desta coisa de uma única palavra me enviar para o tempo da minha avó).
- Não se incomode, não é necessário. Ouve-se perfeitamente.
E eu de sobrancelhas a espreguiçarem-se na testa...
- e...?
- Pois, mas assim, sem certeza...
- Sem certeza? Como assim?
Bateu com o martelo na mesa e encerrou a sessão. Não há cá caruncho e pronto!
É assim com o caruncho e com tudo na vida em geral. O que não se vê, não existe, mesmo quando ouvimos que está lá.
(Como farão os cegos? Jamais poderiam ser juízes.)
Penso vender a casa, mas não sei muito bem como explicar ao novo proprietário que o caruncho do soalho, não existe. Algo como
- O barulho que ouvirá à noite e que não o deixará dormir, não é caruncho. Se quiser, pergunte ao sr. importante com cartões de visita impressos em papel de primeira classe. Ele lhe dirá.
Com sorte, dir-lhe-á que a solução para o caruncho que (não) existe no seu soalho, é um par de tampões de ouvidos, ou um comprimido para dormir.
Resta a agonia da espera, por vezes demasiado longa, até ao espanto da primeira vez
- Olha... caruncho. Que desgraça. Tudo roído.
E tábuas de queijo suiço no chão, no lugar do carvalho.
(Gosta de queijo, o caruncho?)
Maltratamos os sentidos à excepção da visão. Um dia destes, os outros zangam-se e teremos um ensaio sobre a cegueira, mas ao contrário.
Agora desenrrasquem-se, a ver apenas.
E é muito bem feito.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Redação crescida

Há uns anos escreviamos redações. Hoje escrevemos crónicas (será?). Francamente não sei muito bem como isso acontece, só sei que acontece rápido demais. O tempo tem destas tretas, muda o nome às coisas sem dar cavaco a ninguém. Quando nos damos conta já não escrevemos redações. Fazemos uma coisa igual mas com outro nome.
Estranho.
Passamos a comer, em vez de papar.
Passamos a ter uma mãe, em vez de uma mamã.
Passamos a gostar (ou não) de gatos em vez de gostar (ou não) de miaus.
Deixamos de andar de pópó e compramos um carro...
O tempo é assim, caprichoso. Eu também era assim, caprichosa, nos tempos em que escrevia redações e não gostava de miaus. Depois, cresci e passei a ser assim, estranha, a escrever redações que se chamam crónicas. O tempo é um chato, porque não cresce, limita-se a passar e a fazer com que os outros cresçam, o que me parece muito injusto. Uma espécie de cabana do pai Tomás: "fazei o que ele diz e não o que ele faz".
Ontem ocorreu-me este pensamento: uma crónica, não é mais do que uma redação.
Hoje lá estava ele a chamar redações às suas crónicas.
Tenho uma tendência natural para ver nestas coincidências, algo como: convergência; destino; sinais; mensagens do além; amores inevitáveis, superiores, escritos numa nuvem qualquer. Mas da mesma forma que comprei um carro e passei das redações às crónicas, hei-de passar do destino traçado à mera coincidência.
Porque se calhar, elas acontecem mesmo e não são mais do que isso: meras coincidências quotidianas.
Porque se calhar, não somos afinal assim tão diferentes uns dos outros.
E porque se calhar, os meus pensamentos não são assim tão geniais quanto o meu ego gostaria que fossem.
Em abono da verdade, o que há de genial no facto de uma crónica ser uma redação crescida?
Isso mesmo.
Nada!

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Plágio II

"O passado é um país estrangeiro. Fazem coisas diferentes, lá."
Vou fazer de conta (uma vez mais, porque posso) que fui eu que escrevi isto.

Cu-cu

Desligo o telemóvel, e sem precisar de tapar os olhos,
-Cu-cu, a AC não está cá.
Vôo para longe, e sem precisar de tapar os olhos,
- Cu-cu, a AC não está cá.
Mergulho de cabeça num livro, e sem precisar de tapar os olhos,
-Cu-cu, a AC não está cá.
Mas está.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Magnolia bakery x Tentadora



















Fui à Magnolia Bakery comer O tal do cupcake, O original. Acontece que ao contrário das minhas espectativas, gostei. Aliás, adorei. O sacana do cupcake é de facto um delírio para os "x" (quantos são mesmo?) sentidos. Era possível cheirá-los a dois quarteirões de distância (e atenção que dois quarteirões em NY é muita coisa).
Lá cheguei, esbaforida, os pés roídos pelas hawaianas (que ideia a tua, rapariga. Hawaianas em NY?) , de braços estendidos ao longo do corpo, a arrastar os sacos. demasiados sacos. demasiado estendidos.
Bom, lá cheguei, lá me passou de imediato o cansaço. Os sacos cada vez menos...
Pus-me na fila, a fingir uma segurança novaiorquina desajeitada.
- Dois cupcakes por favor. Um de chocolate com cobertura lilás e esse vermelho e branco aí, por favor.
- Os cupcakes são self-service. Pode tirar da montra. Tem lá caixas. Neeeeext please...
- Mas, mas... na montra não tem o lilás....
- Tem sim.
- Não, não tem...
Arrancou de trás do balcão num repente assustador, em direcção à montra:
- Look miss (adoro o tom condescendente)... here they are....
- Oh, no, no. You see, i want the purple one.
- Yes. this one is the same.
- No it´s not.
- yes, it is.
- No it´s not, that one is white.
- Well, it´s the same, in a diferent color.
- Then... IT´S NOT THE SAME. GET IT!!!!
- Miss, only the color is diferent.
- Exactly! Aren´t cupcakes ALL ABOUT COLORS?!
- Neeeeext in line, please.
Trouxe o branco, comi o branco e até gostei, mas não me conformo. Se é assim, prefiro um queque de passas na Tentadora.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tudo, é amor...

Estou zangada com o Mundo, e acho que é recíproco.
Tenho razões para acreditar, que também ele está zangado comigo.
Não o culpo. Na realidade sempre preferi a Lua.
Ele, ciumento, ressentiu-se, claro.
(Tenho esta mania recente, e suponho que nada inédita, de fazer parágrafos por questões meramente estéticas. Gosto disto. Frases curtinhas, a fazer lembrar um poema, que afinal não é, mas que se calhar até acaba por ser, mesmo quando só rima cá dentro. Ou com sorte, aí dentro também.)
Posso pedir-te desculpa por gostar mais da Lua, mas não posso deixar de gostar mais da Lua. Entendes? Posso dar-te tudo aquilo que está ao meu alcance, mas não te posso dar aquilo que não me pertence. E isso, é dar-te Tudo. Compreendes? E dar Tudo, chama-se amor.
Logo,
Amo-te, mas gosto mais da Lua.
Espero que me ames de volta, mesmo dando-me "apenas", tudo aquilo que tens para me dar. E que aproveito para te dizer, caro Mundo,
andas a distribuir mal os presentes.
Ainda assim, se é tudo, agradeço-te.
Enquanto espero que o teu tudo cresça, vou continuando a preferir a Lua e a dar-me eu, tudo a mim. Porque esse tudo, é o único que posso fazer crescer. E no fim da linha, esse meu tudo que tenho para me dar, é o único em que posso confiar. Mesmo sabendo que fazer um tudo TUDO (ainda que tratando-se do tudo de mim para mim) é difícil, este pelo menos eu posso engordar. Os outros dependem, lá está, dos outros. E os outros, são isso mesmo: os outros. Logo, têm outros tudos para alimentar.
Por isso, aqui fica:
"A mim, como se dissesse água".
E desta vez, garanto-te, não vais morrer à sede.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Chegou o verão

Chegou o verão ao meu Terraço.
Ou melhor,
Voltou o verão, e com ele voltou o meu Terraço.
Passam-se meses que não nos vemos, senão por alguma espreitadela encolhida por trás das cortinas, ou uma ou outra visita mensal, para apanhar as folhas que insistem em fazer ninho no ralo.
Nada mais.
O Terraço fica o inverno inteiro entregue ao cinzento da intempérie, e à árdua tarefa de se certificar que a chuva se encarrega da sede das buganvílias.
Ainda assim, apesar do abandono voluntário, quando voltam o calor e as noites macias, lá está ele com a sua fidelidade canina, à minha espera.
Com o verão voltam também os pretextos a justificar a entrega:
Um galho seco a reclamar poda, sistematicamente adiada durante seis meses, mas que se torna urgente em Julho,
Um vestido molhado no cabide, que no inverno seca na perfeição cá dentro, mas que no verão exige pingar lá fora,
O ninho do ralo desfeito diariamente...
E a brisa quente, a empurrar a flor rosa da buganvília, por entre os cortinados: Vens?
Falam as buganvílias?
Na dúvida respondo. Vou. Claro que vou.
Passo o dia nisto, dentro e fora, a desenhar pretextos de visita, quando na realidade chega, ou deveria chegar, o desejo.
Felizmente, o cair da noite acalma esta inquieta dança diurna, e aí sim, basta-me o desejo. Aí sim, vou para ficar. Acendo a luz devagar, para não despertar nenhum vizinho invejoso, certifico-me de que há quietude no meio da escuridão,
e num suspiro fundo a espantar os males, encho o corpo de verão.

Ouve-se o mar na minha telefonia barata, se lhe encostarmos bem o ouvido, como se fosse um búzio.
Um dia vou ouvir o mar, sem búzio, nem telefonia. Porque no final, ouve-se sempre.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Vá-se lá saber porquê

Vá-se lá saber porquê, aos domingos fico pregada ao sofá, vidrada no concurso "Achas que sabes dançar". Sempre que começo uma frase por "vá-se lá saber porquê", faço um esforço por parar para pensar. Gosto de entender a razão das coisas boas me acontecem, quanto mais não seja para as poder repetir, e assim, quem sabe, ser feliz mais vezes.
A verdade é pequena, mas é esta: tenho sido feliz aos domingos, em casa, afundada num sofá que já teve melhores molas, e em frente a uma televisão que nem sequer é um plasma.
Será isto possível?
É.
E isso é bom. Afinal é preciso pouco. E esse pouco, eu tenho.
Comove-me uma paixão das grandes, mesmo quando essa paixão não é minha. Chego até a sentir uma pontinha de inveja branca, idêntica à que me acontece quando no carro, se me molham os olhos de emoção, ao sabor de uma música que decido arruinar, bem nas barbas do artista impotente e enjaulado no meu Blaupunkt. Se pudesse, arrancava a Céu pelos cabelos e afogava-a num abraço de agradecimento.
- Caramba, afinal estou viva. Que bom é lembrares-me disso.
Ou se calhar não dizia nada. É isso... não dizia nada. O silêncio é a melhor companhia de um abraço.
Comecei a dançar (eu?), e já vou a cantar (eu?), sem saber fazer nem uma coisa, nem outra. E é exactamente isso que me fascina em programas de televisão como este. Naquelas duas horas, podemos fazer tudo, sem fazer puto ideia como se faz.
Não me lixem! Há ou não há grandeza nisto?
Enquanto eu continuar a conseguir dançar numa pele que não é minha, e a cantar com uma voz que não tenho, não há nada que me meta medo.
E se por acaso um dia, também o corpo e a voz me falharem, invento uma viagem de carro que não tenho de fazer, ligo o rádio aos gritos, e dou um abraço mudo à Céu.

domingo, 4 de julho de 2010

Plágio I

"jamais foi tão escuro
no país do futuro"
Vou fazer de conta (porque posso) que fui eu que escrevi isto.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Uma questão de lápis












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É mais ou menos isto que tenho para dizer.
Muita coisa.
Pouca legível.
Pouca que se possa entender.
Pouca que eu saiba como dizer.
Cruzo e descruzo as pernas, inquieta e repetidamente. Ajeito-me na cadeira pela centésima vez desde que aqui me sentei. Abro o meu caderno de notas. Viro as páginas desordenadamente, à procura de alguma coisa que não estou certa de ter escrito, o que quer dizer que provavelmente não escrevi.
O que era mesmo que eu queria dizer?
Como se o que tenho para dizer pudesse ser escrito.
Desfolho uma vez mais o bloco de notas, ao estilo de quem abre o frigorífico à espera de um milagre em que não acredita, mas que insiste em esperar.
Como se o que tenho para dizer pudesse ser escrito.
Pego num lápis HB, que me custou uma fortuna no Corte Inglés. Um lápis HB, que escreve grosso e negro como um lápis 2B, e que é áspero como aqueles que não custam uma fortuna no Corte Inglés. Um lápis HB caríssimo, a fingir que é um 2B barato. Um lápis HB que traz uma borracha ridícula na ponta, como que a dizer: com este lápis podem-se escrever disparates, porque logo de seguida se podem apagar, como se nunca tivessem sido escritos. Mas foram.
Arranho umas barbaridades no papel. Umas escritas, outras desenhadas. Todas demasiado negras e grossas. Não apago.
O que era mesmo que eu queria dizer?
Como se o que tenho para dizer pudesse ser escrito.
Troco de lápis. Passo para um 2H, e espero que escreva como um HB. Seguramente para me chatear, este mantêm-se fiel à sua identidade e insiste em escrever como um 2H. Não tem borracha na ponta. Compreende-se. De que serve uma borracha a um lápis, que para além de escrever a negro, marca irreversivelmente a sua dureza no papel? Não há borracha capaz de apagar o que ficou escrito sem carvão.
Continuo a rabiscar "nadas" à espera que me aconteçam "tudos".
Até agora nada.
Num impulso que não quis controlar, apaguei tudo com a pequena borracha do lápis fraudulento do Corte Inglés. Sobraram-me os escritos a nada, cravados na folha pelo lápis 2H, que nem a borracha caríssima soube como apagar.
Rasgo a folha, amachuco bem, e deito fora.
Não quero nada escrito hoje.
Nem a carvão nem a nada.
Resumindo, tenho vários lápis para escrever e na realidade nada para dizer.