sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Cisco sem olho

O cabo ferrador tinha uma lágrima importante que eu não vi.
Numa primeira leitura, confundi-a com as lágrimas de bagaço. Só à segunda me dei conta daquela pérola ali escondida, a implorar ser descoberta.
Que raiva, quase não via aquela lágrima.
Fico triste por não a ter encontrado à primeira, e feliz por lá ter voltado a tempo de a secar.
(porque é que eu nunca posso ficar apenas uma coisa, ou outra?)
Uma lágrima diferente, escondida, que eu só soube distinguir depois.
Para o cabo ferrador dá-lhe igual que eu lhe descubra a lágrima importante à primeira, ou à vigésima sétima vez. Está para ali escrito, imortalizado numa crónica, tem tempo.
São as tuas que me assusta não ver à primeira.
(também me assusta um bocadinho que não vejas as minhas)
Quantas lágrimas de verdade terei ignorado por ignorância?
Desculpa-me pelas lágrimas que eu não fui capaz de ver, ou que confundi com restos de um bocejo banal. Se pudesse voltava atrás.
Alguns dos meus restos de bocejo também te passaram ao lado que eu bem me lembro. Uns porque eu assim quis, outros que apenas fingi querer esconder.
(devem ter sido mais os que fingi querer esconder)
Acho que desejei sempre que fosses capaz de ver mais além
(mais dentro neste caso)
e foste muitas vezes. As suficientes pelo menos.
Podemos ter uma lágrima secreta.
Queres ter uma lágrima secreta comigo?
Eu quero.
Se temos de ter lágrimas (e tenho), que seja contigo, e que seja secreta.

... e mais uma lágrima de cisco, num cisco sem olho.
(Esta podes fazer de conta que não viste. Não importa)

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