terça-feira, 17 de agosto de 2010

tic-tac...

Preciso de escrever mas não sei o quê. Bato nas teclas à espera. Deixo-me me ir, embalada pelo som cadenciado da escrita, intercalado com o ritmo acelerado de quem apaga tudo, letra a letra. Não deixo que um dedo pousado no "delete" faça o trabalho tranquilamente por mim. Faço questão de apagar cada letra i-n-d-i-v-i-d-u-a-l-m-e-n-t-e.
tac-tac-tac-tac-tac-tac....
No seu fim, dou a cada letra a mesma importância que lhe dei quando a escrevi. Um momento:
tac.
Porque nem o tempo é corrido.
tic-tac-tic-tac-tic-tac...
Escrevo porque não posso sair com a máquina fotográfica (na realidade posso, mas não me apetece) à procura sabe Deus do quê, por isso estou aqui à procura disso mesmo.
Desconfio que estas letras vão todas direitinhas para o lixo. Amachuco a folha
tac-tac-tac-tac-tac-tac...
E o cesto do lixo sem bolas de papel dentro.
Quero dizer coisas bonitas e nada. Lembro-me dele e deixo a mão ir. Para onde?
Desconfio que para lado nenhum, hoje.
O relógio
tic-tac-tic-tac-tic-tac...
e zero bolas de papel no cesto do lixo, apesar do
tac-tac-tac-tac-tac-tac...
Queria que a minha mão fosse como a dele. Uma mão que dá coisas lindas com a naturalidade com que as pereiras dão pêras (acho que foi a pêras e pereiras que ele se comparou um dia). Um dia vi muitas pereiras...
tac-tac-tac-tac-tac-tac...
Que disparates escreves aqui rapariga?
Pêras? Mãos? Que interessa isto?
Desconfio que vou dormir sem coisas lindas, hoje.
O tempo está a passar
tic-tac-tic-tac-tic-tac...
e as letras também
tac-tac-tac-tac-tac-tac...
Desconfio que a vida acontece aos bocadinhos entre tics e tacs. O segredo é não deixarmos que a cadência doce nos embale.
Teclo agora.
tic
Amanhã vou à praia.
tac
Venho da praia.
tic
Tomo um duche para tirar o sal do corpo (que bom é tirar o sal do corpo. Tiro-o, só para poder lá voltar amanhã).
tac
Amanhã volto à praia.
tic
E à noite outra vez
tac-tac-tac-tac-tac-tac...
À noite não se vai à praia (não?), por isso
tac-tac-tac-tac-tac-tac...
Ando assim, entre águas doces e salgadas, a tirar coisas para as poder voltar a pôr, a juntar tics e tacs com letras e sal.
Porque ninguém vai à praia a estas horas da noite e porque me falta o sal a pesar-me nos olhos, improviso. Afinal não se chora só quando se está triste, pode-se chorar também quando se precisa.

1 comentário:

José Alexandre Ramos disse...

os tics e os tac (en)calharam muito bem. ah, que eu não sabia que escrevias assim, bem. que escreves tão bem. e estou a gostar.