domingo, 20 de janeiro de 2013

Run, Forrest, run...


Sempre que faço anos - a começar este ano - regresso a esta foto. Não por me apetecer um banho de rio em Janeiro, mas por ser uma imagem de fé e, modéstia à parte, de coragem. Acreditem meus caros, precisei tanto de uma como de outra em doses generosas, para confiar o corpo inábil a uma bola vermelha.
Escusas tu, minha irmã, de vir com a teoria da tanga de que naquele pedaço do rio dos avós a água nos dava apenas pela cintura. Sabes bem que naqueles tempos a minha cintura era coisa rasteira, pelo menos no que à natação dizia respeito. Naqueles tempos, água pelos tornozelos era, para mim, motivo mais do que suficiente para alerta vermelho de perigo de afogamento; assim acontece quando se tem a cintura abaixo das canelas.
Serve esta estranha constatação anatómica para sublinhar que, naquele dia, mesmo com o corpo deformado pela cabeça, me lancei ao Rio (caramba, que Rio tão grande) sem hesitar. Gostava de acreditar que foi a minha valentia a fazer todo o trabalho, mas não. Vistas as coisas agora à distância, não me restam dúvidas de que a responsabilidade é do pai e da mãe que, entre incentivos histriónicos e muita ansiedade ao verem a menina da cintura descaída mergulhar nas profundezas de um rio pelas canelas, conseguiram ainda fotografar o acontecimento. O resto fui eu que fiz, e foi fácil, muito fácil mesmo: boca fechada para não entrar água, respiração suspensa - mas também quem é que precisa de respirar no molhado quando tem os pais a respirarem por nós no seco da margem? - unhas cravadas na bola e os pés a chapinharem em uníssono com a euforia aflita dos progenitores.
Chegada sã e salva às pedras escorregadias da beira-rio, foi só celebrar. Celebrar a valentia da miúda culpa da fé dos pais, fé essa que, é hoje bastante claro para mim, só pode ter sido fingida - acreditem, eu, dentro de água, era em mim mesma um atentado à minha integridade física.
Gostava por isso de agradecer a fé e o fingimento ao pai e à mãe; garantir-lhes que tenho usado a bola vermelha variadíssimas vezes ao longo destes 36 anos e a coisa não me tem corrido mal (desses casos não se conhecem fotos). Por último deixo apenas um alerta aos pais: não se atrevam a misturar fé e fingimento em frente à tia Micas. Eu fiz isso uma vez e levei uma bofetada em frente ao Padre. Parece que só pessoas de fé em Deus podem provar a hóstia, e as tias freiras levam essas coisas muito a sério.
Um dia com calma, e muita paciência, falo à tia da minha bola vermelha. Nessa altura tenho a certeza que não vai ter outro remédio que não seja abrir a boca e dizer:
Ámen

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