quarta-feira, 23 de julho de 2014

Um galhinho com pouca manteiga para a mesa do canto

          Se  alguém tiver um galhinho que me atire, agradeço. 
          Desde que flutue, serve. 
          Só preciso que alguma coisa se mantenha à tona. Reparem que não disse "me mantenha à tona". Disso já desisti. Não desisti de viver, nem nada que se pareça. Mas de andar à tona, sim. Não por cepticismo, entenda-se. Bom, talvez por cepticismo, entenda-se. A disposição para duvidar de tudo nasceu comigo, e a realidade confirma que nasceu muito bem. Por isso, Basta-me saber que alguma coisa anda à superfície, para viver mergulhada em paz. E pode ser só um galhinho. A superfície das coisas é tão boa como o seu fundo, e a diversidade é benéfica para a humanidade, dizem.
          Não quero com isto dizer que não dê aos pés e aos bracinhos para, pelo menos de vez em quando, vir cá acima respirar. Sou uma espécie de golfinho, só que bastante menos elegante. Mamífero, sim senhor, mas chega-me uma lufada de ar fresco aqui e ali, para viver feliz lá em baixo.
          Li algures que investigadores americanos chegaram à conclusão que uma noite de sono ideal deve ter, não as oito horas que sempre acreditámos, mas sim sete. A magnífica margem de uma única hora deixa-me a pensar: começamos a contar quando? quando vamos para a cama? Quando adormecemos? E quem é que conta? O qtipo que está a dormir? Parece-me pouco fiável...  E os mentirosos? Têm a certeza de que não há mentirosos no estudo? E os delirantes? Alguém ficou à sua mesinha de cabeceira, ou limitaram-se acreditaram nas respostas dadas? Eu não sou de intrigas, mas um em cada quatro indivíduos (ou lá o que é) sofre de algum tipo de perturbação mental... Estou só a dizer...
          Esta conclusão, por si só, choca-me bastante. Mas isto piora, acreditem. Ao que parece, num universo de milhares de doentes de cancro participantes no estudo, os que afirmaram dormir entre 6,5 e 7,4 horas por noite, tinham uma taxa de mortalidade inferior aos restantes. Outros estudos houve, com conclusões semelhantes, em que a precisão de horas de sono carece de vírgulas para se viver saudável, em que dormir seis hora e meia é mais saudável do que dormir sete ou oito, em que se morre mais de cancro por se dormir umas agradáveis onze horas por noite. A sério? Quem morre de cancro, morre de cancro, caramba! Não é uma hora a mais ou a menos que o vai atirar para o abismo. É mesmo o cancro! 
          Bem sei que o que escrevo é tão disparatado e impreciso quanto a notícia que li. Ainda assim, isto é um blog. Nem quero com isto dizer que não se devem fazer estudos sobre tudo e mais um par de botas, especialmente sobre o sono que é uma actividade maravilhosa, que se deve fazer bem feita. Aliás, temos de nos ocupar. Se assim não fosse a vida seria, para além de uma treta, um enorme tédio. Ocupamo-nos em nome do dinheiro para pagar as contas no final do mês, mas é do tédio que fugimos. Uns limpam escadas, outros vendem figos, outros fazem estudos... Até aí tudo certo. O que já não me parece tão correcto é que se agitem pergaminhos no ar com resultados tão pouco significativos. Não sei qual é a margem que torna um resultado relevante, mas não acredito que seja meia-hora, principalmente se falamos de doentes de cancro.
          A precisão não existe e ponto final. Quem inventou o relógio devia ser pendurado num plátano pelos pés, até ficar roxo. Não de um roxo qualquer. Havíamos de nos reunir frente ao plátano e debater durante longas horas o RAL desse roxo. O roxo ideal, preciso. Porque agora que já se inventou o fogo e a roda, a malta tem que se entreter com qualquer coisa. 
          - Tirem-me daqui, por favor!
          - Silêncio, meu anjo! Estamos a debater um assunto importante e apesar de já estares azulado, esse não me parece ainda o roxo que pretendemos!
          Claro está que quando a comunidade chegasse a uma conclusão sobre o roxo do senhor, já ele estaria verde ou amarelo. E mudo. Vicissitudes inerentes a esta mania da precisão.
          A precisão pode dar jeito em algumas matérias. Nenhuma delas, a meu ver, que separe a vida da morte por meia-horinha apenas. Por exemplo, seria útil determinar-se o RAL do galão escuro e do galão claro; os mililitros da bica cheia, da bica meia-chávena, da bica curta, da bica italiana; a temperatura exacta (em graus centígrados, por exemplo) de um copo de leite morno. Isso sim, seriam coisas úteis para o dia a dia. A mim poupavam-me uma trabalheira do caraças. Acabava-se a treta de ter de pedir café curto onde sei que o café normal vem quase cheio, para poder ter o café meia-chávena que quero. Ou a treta de ter pedir um galão claro na Tentadora, onde os tipos são semíticos com o leite, para conseguir ter o galão "para o escurinho" de que gosto, e não preto como eles querem. 
          Certo é que se as coisas fossem assim tão arrumadinhas, nunca teria tido a oportunidade de aprender a ser feliz com um café cheio, apesar de o preferir curto. Ou de ser feliz ao decidir ignorar os ouvidos moucos do empregado azedo que grita para trás do blacão
          - Pão de leite com fiambre e manteiga! 
          quando pedi um pão de leite com fiambre e pouca manteiga.
          Resumindo: bom, bom, é só precisar de um galhinho. Alguém?

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