Uma mulher sabe que é genuinamente feliz quando vibra com um simples agrafo.
Não sou crente nas notícias, nem tão pouco nessa coisa da actualidade. Talvez seja uma descrente na isenção do que por aí se diz ser a actualidade, ou pior ainda e muito provavelmente, talvez seja apenas uma preguiçosa desavergonhada que encontrou uma desculpa porreira para não se preocupar em demasia com o que se passa por aí exactamente. Seja como for, exacto ou não, de vez em quando pego num jornal. Com a pontinha dos dedos, é certo; mas pego. Sempre com uma mesa onde pousá-lo, é certo; mas pego.
Agora vou passar a pegar um bocadinho mais, e tudo por culpa de um agrafo. Um simples agrafo. Nisso sim sou crente. Não nos agrafos (talvez também nos agrafos), mas na felicidade que me chega com as coisas pequenas; como um agrafo.
(Tenho um fraquinho recente pelo ponto e vírgula, apesar de muito provavelmente não o usar muito bem. Dá-me graça, o sacana.)
Também tenho um fraquinho recente pel' O Público. É certo que perdeu a elegância esguia do antigo formato (dimensões, quero dizer. Acho que formato é outra coisa no mundo dos jornais), mas ganhou um coração de ferro. E como sempre me acontece, foi o coração que me salvou. Tanto me dá que seja agora baixo e gordinho.
Ler o jornal foi, para mim, durante muito tempo, um momento absolutamente trágico. Sempre invejei os que eram capazes de se deliciar ao sol de uma esplanada qualquer enquanto desfolhavam as páginas soltas de um jornal. Tentei, vezes sem conta, copiar-lhes a agilidade . E dei por mim, vezes sem conta, incapaz de apreciar o momento, tal era a preocupação em manter as folhas devidamente alinhadas. E dei por mim, vezes sem conta, a bater furiosamente na mesa do café, com um molho de páginas rebeldes que nunca tive a capacidade de manter em ordem. E dei por mim, vezes sem conta, a abandonar cabisbaixa as esplanadas, com vergonha do monte de lixo em que tinha conseguido transformar o pobre jornal. E dei por mim, vezes sem conta, a pensar comprar um agrafador de mesa na drogaria do Sr. Antão.
Mas agora acabou-se a vergonha. Alguém comprou o agrafador por mim (deve estar feliz o Sr. Antão. O negócio anda mau) e resolveu-me a questão.
Queria por isso agradecer ao gordo baixinho que soube fazer-me feliz. E já agora aproveitar para perguntar se não há por aí nenhum gordo baixinho que resolva, de uma vez por todas, o problema dos bules de chá em inox que insistem em mijar para trás.
Não é difícil fazer-me feliz. Um dia de sol, um jornal agrafado e um bule de chá bem educado chegam perfeitamente.
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