quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O grande almoço de domingo


          Olá João,

          Provavelmente aborreço- te com um assunto que pouco te diz, mas estou arrasada por causa do António. Não é só o António. E o pior é isso. É que não é só o António.
          Quando te contar o que aconteceu, nem acreditas.
          Se não tiveres paciência, ou tempo, ou outra coisa qualquer, não respondas. No fim deste mail vou ter uma resposta, de certeza. Mesmo que essa resposta seja: não há nada a fazer, Sofia.
          (Estás neste momento a pensar que te uso, João. E estás certo. Uso- te sim. É para isso que servem os amigos, não é? Para os podermos usar sem culpa, não é? Isso e jantar, às vezes. Só às vezes)
          Voltando ao António,
          A vida dele colapsou. Isso mesmo, João. Colapsou. Totalmente. Não sobrou nada. Colapsou sem precisar que acontecesse nada de grandioso.
          Quando te disser o que aconteceu, nem acreditas.
          Não aconteceu nada de importante, juro. Fez o que todos fazemos. Montou a sua vida num punhado de boicotes mal amarrados e teve o azar que podia ter calhado a qualquer um de nós. O pouco que lhe segurava a vida de pé, caiu. De um momento para o outro. Não foi bem de um momento para o outro. Na verdade aconteceu tudo devagarinho. A desgraça andava-lhe a rondar a porta há dias, e ele não a viu de tão focado que estava na sua vidinha amarrada com aqueles atilhos fininhos. Tão fininhos. Como os nossos, entendes? Eu tenho atilhos, João. Toda a gente tem atilhos. E fininhos. Pelo menos eu gosto de acreditar que toda a gente tem atilhos. Tem sim, João.
          Há quem diga que foi porque lhe morreu o amor da vida.
          Mas não foi isso, João. Não foi isso. Foi muito pior do que tudo isso.
          Quando te disser o que foi, nem acreditas.
          Mas um dia podem ser os teus, João, ou os meus. Os atilhos, entendes? Como aqueles que os senhores da Tentadora desenrolam agilmente, para prender a caixinha dos bolos que costumas levar para o almoço de domingo. O atilho que na tua cara, enquanto um sorriso e um,
          - Ora aqui está, menina. (ou menino. Porque todos os meninos e meninas têm atilhos)
partem com um golpe seco.
          É com aquele atilho fininho, que se parte com um puxão, uma pequeno puxão, que está tudo amarrado.
          E foi só isso que lhe aconteceu. Ao António. Só isso. Com toda a simplicidade com que,
          - Ora aqui está, menino.
          Só isso.
          Podemos ir todos almoçar no domingo. Podemos levar as meninas, e os meninos. Podemos até levar o António.
          (Já não deve conseguir ir, o António)
          Tu vais como sempre buscar os bolos à Tentadora. Sim João, vais ter de ir à Tentadora. Mas não te preocupes com o golpe seco e com o
          - Ora aqui está, menino.
          Olhas para o lado, João. Olhas para o lado e pronto.
          O importante é que leves os bolos para o almoço de domingo.

          Um abraço,
          Sofia

domingo, 26 de fevereiro de 2012

És tu




Só vale a pena viver quando alguém te ama.
Sim, és tu.
És tu.
Olha ao espelho e diz:
Sim, és tu.
És tu.
És tu.
És tu.

And now you do.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Podemos?

- Na vida não podemos fazer só o que queremos - diz o pai.
- Faz sempre o que queres - diz a mãe.
Angustiada, pergunto com a voz pequenina - achas que ainda falta muito?
- Pergunta à mãe - responde complacente.
- Obrigada, pai.
E eu, feliz, apesar de saber tão bem que não.