sábado, 28 de março de 2015

Clap, clap, clap, Doutora!

Tenho andado demasiado sóbria para o meu gosto.
Uma pessoa habitua-se à boa vida e depois não quer outra coisa. É normal.
O ser humano é uma coisa estranha. Deseja. Alguém dá (não me venham com a treta do senhor lá de cima. Chegar até aqui deu-me uma trabalheira dos diabos). E ele ainda reclama. 
E como não é um alce que está escrever; reclamo. Claro que reclamo!
Eu pedi paz, só isso. Não mais do que isso.
Fiz tudo o que me mandaram. Gastei uma pipa de tempo e duas de dinheiro em terapia, tomei os azuis de manhã, os brancos ao lanche e o redondinho em s.o.s. Enquanto o processo durou, parecia perfeito. Uma ilusão de movimento, de caminho para algum lado. 
Ora, Dra, deixe-me que lhe diga: este sítio para onde lhe pedi que me mandasse, e para onde me mandou sem me perguntar se queria. de facto, lá chegar (o canudo é seu, convenhamos), é pior que a morte. Não acontece nada aqui. Não existe nada aqui. Quase nem eu. Está tudo tão certo que chega a não importar se está bem. Está sempre tudo tão na mesma que o adjectivo se torna dispensável. 
Está.  
E assim estou eu também. Os azuis de manhã, os brancos ao lanche e o redondinho em s.o.s....
Estou.
Está aí alguém?
E agora, o que faço com isto?
Gosto?
A sério?
E se tomasse o redondinho de manhã? Talvez a coisa se animasse.
E se fumasse um cigarro no quarto alugado? 
E se fumasse um cigarro na sala da casa do quarto alugado? Isso é que era uma barrigada de riso.
Uma barrigada de riso com uma coisa sem graça nenhuma. Nem na adolescência me ri de parvoíces do género. 
Foi aqui que me trouxe, Dra. Estou capaz de tudo por um bocadinho de qualquer coisa. 
Acendi o cigarro. 
Porra! 
E agora, o que faço com isto?
Gosto?
A sério?
No caso até é fácil. Adoro fumar. Pesa-me na consciência que mate, mas só por um bocadinho. Passa-me logo. (Estou bem resolvida, Dra. Está a ver? Valeu a pena.) Adoro puxar o braseiro com um suspiro fundo, tão fundo, e deixar sair o fumo sem pressa. Trabalha à entrada e à saída, o fumo. Um escravo. O escravo que me resta. O único escravo que me apetece. 
Assim é no sítio onde cheguei. Uma falta de graça que magoa. 
Pode ser falta de hábito. 
Mas ele há coisa mais disparatada do que me esforçar por gostar de uma coisa tão desengraçada? Não, Dra, perdoe-me o mau jeito, mas aqui não fico. 
Não é nada de pessoal, Dra, acredite, mas tenho uma casa inteira para arejar.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Lenga-lenga derradeira


Três pêlos na cara
muitas rugas no queixo
dentes num copo
cabelo de desleixo

Um altinho nas costas
raízes grossas nas mãos
tantos risquinhos na boca
quatro rodinhas no chão

Uma dor de verdade
da doença de enfeite
traz-lhe um chá bem quentinho
e arranja que se deite

Já não vai saltar ao eixo?

Sorriso grande
sem risquinhos marcados
o copo vazio
os dentes molhados

Porque ao eixo não pode
vai saltar ao pé coxinho
resta saber se alguém
lhe faz rolar o caminho

Enrola o melão
desenrola a melancia
quem fará a gentileza
de empurrar a minha tia?

É que agora não posso
estou muito atrapalhada
Não contes comigo para isso
para quê empurrar o nada?

Para que brinque um nadinha
mesmo um nadinha de nada
o parque vê-se daqui
coitada se morre sentada

Se a empurrares de mansinho
salta logo do carrinho
mal veja outro nadinho
rolado por gente ocupada