sábado, 27 de abril de 2013

Esplanada

Ao Nuno e ao gin

Um pombo arrulhava uma fêmea a escapar
a fêmea dançava com o pombo a arrulhar
parecia fugir
mas aquilo era dançar
e o pombo inchado seguia a cantar

É garganta, coitado, disse o doutor
não senhor
repare bem no estupor
está bom de se ver
que aquilo é só amor

A senhora mandou pôr um bife a grelhar
o empregado perguntou como o ia desejar
bem passado, com certeza
respondeu a olhar
a dança do pombo
no chão a chamar
a fêmea que corria
sem sossegar
e o pombo a inchar, a inchar...

Enervada
a senhora mandou pôr os pombos a andar
o empregado perguntou se a estavam a incomodar
sim, com certeza
disse quase a soluçar
não tanto pelos pombos
pobres criaturas
o que a estava de facto a maçar
era aquela dança toda
inteira só de um par

Chegou um cavalheiro
e sentou-se a almoçar
estendeu-lhe um lenço branco
pra que se pudesse assoar

Arrulhada
a senhora conseguiu sossegar
não tanto pelos pombos
pobres criaturas
que seguiam a amar
naquele caso
para sempre o mesmo par

terça-feira, 23 de abril de 2013

...

Não tenho medo da morte,
só do escuro.
Não tenho medo da morte,
só do fim.
A morte é escura?
E é no fim?
Não tenho medo da morte,
só do medo,
e do escuro,
e do fim.
Se eu jurar ter medo da morte,
acendes a luz no final, por favor?

Vida selvagem

Era uma vez um leão medricas
que caçava,
e búfalos.
Era uma vez uma andorinha sem asas
que voltava,
e na Primavera.
Era uma vez um falcão cegueta
que mergulhava
a pique,
e sem medo.
Era uma vez um tubarão sem dentes
que recusava comer anémonas,
ou mexilhão.
Morreu de fome, mas morreu tubarão.
Era uma vez um homem com tudo
que não caçava
nem voava
nem voltava.
Era uma vez um homem com tudo
que tinha medo
de .alturas
     alturas
     alturas
     alturas
     alturas
Era uma vez um homem com tudo
que não pôde morrer de fome.
Veio um tubarão sem dentes,
e comeu-o.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

...


Que absurda esta ideia serena de não precisar
Que serena esta ideia absurda de me bastar
Não esperar
ir e chegar
Não perguntar
saber e achar
Rir, rir, rir
rir sem parar,
nem para chorar

Que serena esta ideia absurda de me bastar.
Absurdo não é um cavalo alado
é um pardal a voar
Absurdos são os dias,
a passar

Absurda,
devaneio para longe num cavalo alado
nunca num pardal a voar
Nunca num pardal pequenino que me rasa a assobiar
e eu desperta, a olhar
Ninguém devaneia só a olhar

Diz-me pardal, querias andar?
Que absurdo, claro que não
O pardal só quer voar
qual andar?

Diz-me pardal, querias sonhar?
Que absurdo, claro que não
O pardal só quer dormir
e acordar
Dormir
e acordar

Que absurda esta ideia serena de não precisar
Que serena esta ideia absurda de me bastar
Absurdo é o ar
Tudo ar
Até esta ideia absurda de ser só começar.

Diz-me pardal, querias ser só começar?
Que absurdo, claro que não
O pardal começou, e agora, naturalmente,
quer acabar

Devaneio para longe num pelicano
Nem acordada nem a sonhar
Nem cavalo alado nem pardal a voar
Absurdo é um pelicano sem graça
todo bico e ossos, todo triangular
conseguir sequer planar

Que serena esta ideia absurda de não acabar
Vês mãe, é só abrir os braços e planaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

terça-feira, 2 de abril de 2013

da gravidade

Uma força maior segura o Universo
Nada cai 
tudo se atrai 
Tudo se acha no lugar certo
onde a força esmorece 
e se abandona
ao equilíbrio necessário das coisas.

Uma força grave atrai os corpos
numa dança constante, de embalar
A Lua encanta o mar
e ele vai 
e vem
eternamente, sem parar

Soubesse eu nadar
Ia e vinha
eternamente, sem me cansar
Acredita, nenhum corpo se cansa
Repara ao fundo
até Plutão dança

Soubesse eu dançar

Descansa
Uma força maior segura o Universo
Nada cai 
tudo se atrai 
Tudo se acha no lugar certo
onde a força esmorece 
e se abandona
ao equilíbrio necessário das coisas

Eu aqui
tu aí
Não me ampares
nada cai
Descansa
tudo se atrai
O que entra
e o que sai
Tudo se equilibra
Tudo se harmoniza
Por isso peço-te, vai.

Descansa
Uma força maior segura o Universo
Chamam-lhe gravidade 
mas acredita, não é verdade
O que enche e vaza a maré
é a dança eterna
que eu dançava
se ao menos soubesse nadar
se ao menos aqui houvesse pé


segunda-feira, 1 de abril de 2013

A mentira pequenina


A mentira pequenina,
mesmo a mais magra e franzina,
é a mais pura ilusão.
medida de ponta a ponta,
dá sempre a mesma conta,
demais para o meu coração.

Se o meu coração não chega,
se em tamanho se nega
não te rales por favor.
Não há milímetro falhado
grande pequeno ou errado
que me afaste deste amor

Mesmo sabendo que mentes,
pouco importa o que sentes,
se o fizeres a meu lado.
Mentira é verdade doce
verdade que se assim não fosse
já nos teria acabado.

A mentira pequenina
Loira ruiva ou moreninha
não é pecado mortal
medida de ponta  a ponta
dá sempre a mesma conta.
E a conta vale o que vale