Fiquei à
beira do choro.
Não à beira das
lágrimas, ou com os olhos rasos de água, como fico quando alguma coisa me
comove. À beira do choro compulsivo. Os olhos só vermelhos, sequinhos, à espera
de rebentarem à vontade. A engolir em seco e a arranjar desculpas para sair de fininho
da sala, e ir afogar o barulho do choro nas mãos. Não queria preocupar os pais. Ou talvez não quisesse perguntas
Estás a chorar, Sofia?
nem
respostas
Comoveste-te, Sofia.
Acho que não
foi bem isso que aconteceu.
Não foi
tanto a alarvidade do agente. Foi o miúdo.
Não sou
diferente nesta matéria. A todos chocou especialmente o desespero do miúdo.
Mas acho que
ainda não foi bem isso que me aconteceu.
O que me
tirou três vezes da sala para me recompor, foi o terror do miúdo pelo pai. Foi
o outro polícia a ampará-lo, a guardá-lo, um escudo de vidro tão forte, enorme,
a proteger mas a deixar ver tudo. Um fotógrafo interessado, outro polícia de
cócoras, o miúdo aflito e toda a gente a saber que o miúdo aflito.
Vai ficar tudo bem
Um abraço
apertado no escudo de vidro, enorme. O miúdo agitado e uma mão larga a
empurrá-lo para o peito. E eu cá de fora
a querer dizer-lhe
Não olhes para aquilo
Vai ficar tudo bem, miúdo.
Pensa só Viva o Benfica
Já vai passar
esquece tudo e Viva o Benfica
Pensa que o teu pai é enorme, não são cinco
polícias blindados que o desfazem.
Não, não penses nos polícias blindados.
Esquece os polícias blindados a desfazerem o
orgulho do teu pai à porrada,
a desfazerem o teu orgulho no pai à porrada.
Não se desfaz essa matéria à porrada.
E eu ali,
engasgada no choro e na contenção, quase a desejar ser o miúdo. Ou ter um escudo.
Mesmo que fosse de vidro.
Mesmo que se
pudesse ver tudo.
As pernas
oblíquas pregadas ao chão, os braços a afastarem o corpo da barriga do polícia,
o choro de boca aberta. E um abraço rijo, uma mão larga a forçar-me a cabeça
no peito
Vai ficar tudo bem, miúda.
Nada disto se desfaz à porrada.