segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Matemática das verdades

          Ao Nuno, por não precisar de contar pelos dedos.


          Às vezes a minha Lua está sempre cheia.
          Um dia, se tiver sorte, ou coragem, a minha Lua vai estar cheia para sempre.
          Por agora contento-me com as vezes em que a minha Lua está sempre cheia.
          São cada vez mais, essas vezes. 
          No outro dia aconteceu-me uma dessas vezes em noite de Lua Nova. E isso significa que,
          um dia, se tiver sorte e continuar a ter coragem, a minha Lua vai estar cheia para sempre.  
          Nunca fui pessoa de fé. Gosto da verdade verdadinha, da que se pode confirmar com uma conta de somar ou de subtrair. Ou até mesmo de dividir. A sério, pode ser de dividir. Conto pelo dedos, se for preciso.
          Sempre me baralharam as divisões matemáticas, não as outras de que é feita a vida. 
          (Sim, a vida também é feita de divisões.)
          E vai um... Ou dois... Nunca me fez sentido, aquilo. Vai para onde?
          Mas não te preocupes, deixa as contas comigo, já te disse que conto pelos dedos se for preciso. 
          Neste caso não vou sequer preocupar-me em esconder a mão atrás das costas. Nestes assuntos importantes não há vergonha possível. Faço qualquer coisa pela minha Lua cheia para sempre, pela nossa Lua cheia para sempre. 
          (Sim, divido a Lua contigo, claro.)
          Uma Lua a dividir por dois, por nós dois pelo menos, dá uma Lua cheinha para cada um. A mesma. 
          Pode ser? 
          (Vês, podes ficar tranquilo, nestes casos nem preciso de contar pelos dedos)
          Faço qualquer coisa por uma verdade verdadinha, daquelas que de tão verdades, não existem, se não tratarmos de as fazer. Se calhar só por isso faço tudo por ela. Que graça teria fazer tudo por uma coisa que, de tão simples, existe por todo o lado? 
          Antigamente não havia a roda, nem o fogo, nem o ipad. E pior, havia Plutão e a Terra plana. Tudo verdades verdadinhas até alguém ter tempo de as fazer, ou desfazer.
          É mais difícil desfazer do que fazer. Ou talvez apenas mais difícil de compreender. Faz-se o que se faz porque se precisa das coisas. Mas desfazer uma coisa já feita, que não chateia nada,
          (Que mal fazia Plutão ali no final? Ou que mal fazia a Terra plana? Nenhum.)
          é coisa para precisar que se conte pelos dedos.
          Mas não sou eu que vou aborrecer quem gosta de desfazer as coisas. Cada um sabe de si. Se calhar da mesma maneira que eu preciso da nossa Lua cheia, também alguém precisou de Plutão dali para fora. Se calhar dividiu-o demasiado, ou esqueceu-se de contar pelos dedos. Quem sabe até dividiu Plutão com alguém, mas esqueceu-se que nestes casos o resultado tem de ser sempre um. Só um. O mesmo. Para os dois.
          Há pessoas assim, egoístas.
          Eu também já fui assim. 
          Um dia não quis dividir um cubo mágico com a minha irmã, e ficámos as duas a perder: zero cubos mágicos para cada uma. Parece que eram caros e os pais só podiam comprar um cubo mágico para as duas. Nessa altura eu tinha dificuldades com as divisões todas, não só as matemáticas. A minha irmã não. Sempre foi boa com os números. Ao ver-me espojada  no chão, a chorar, e a contar pelos dedos com a mão atrás das costas,
          (Naquela altura eu ainda tinha vergonha.)
          a minha irmã disse aos pais que podiam comprar só um cubo mágico para mim, que não fazia mal, que ela não se importava. Mas os meus pais nunca gostaram que as meninas não cumprissem com as obrigações escolares, e a boa prestação a matemática da minha irmã não foi suficiente para encobrir a minha total incapacidade de lidar com os números. Zero cubos mágicos para cada uma. Que injustiça. Para a minha irmã. 
          Posto isto sou bem capaz de ter sido eu a espatifar Plutão sem me dar conta.
          Se fui, peço desculpa, e prometo não repetir a graça. Agora, a minha conta há-de dar sempre uma Lua, a mesma Lua, para os dois. Continuo péssima a matemática mas aprendi a contar bem pelos dedos. Desde que a conta dê certa, pouco importa se é talento ou trabalho.
          No meu caso é trabalho. 
          Pode ser?  
          A verdade está sempre relacionada com o tempo, e isso tenho de sobra; até ao fim da vida.
Não que me sobre tempo. Claro que não sobra. Aliás, contigo há-de sempre faltar-me tempo. Mas se me disponho a usar todo o que tenho para que a conta dê resto zero, então tenho de sobra, sim. Que não é mais do que uma forma megalómana de dizer: tenho o tempo todo para encher a Lua contigo. 
          O tempo todo sobra sempre para alguma coisa. Mas só para as coisas simples. Para fazer um bolo, por exemplo, não é preciso a vida toda, por isso sobra. Quando dizemos que temos tempo de sobra para fazer qualquer coisa de que desconhecemos a duração, significa apenas que estamos tão empenhados 
          (ou dependentes) 
          em concluir essa tarefa, que nos dispomos a usar todo o nosso tempo de que dispomos para a terminar, com ou sem êxito, até que não sobre nada. 
          Essa entrega,
          (ou desespero. Desespero, claro.) 
          é mais do que suficiente para legitimar o exagero da expressão "isso tenho de sobra". 
          Tenho a falta de talento para a matemática com que nasci, mas tempo de sobra.
          Comprei até um caderno quadriculado.
          E assim sendo, vou usá-lo todo, todinho, para garantir que a nossa Lua vai estar cheia para sempre.
          Mesmo que só me aconteça na véspera do fim. Ou no dia do fim.
          Nestes casos pouco importa se o resto é zero. 
          O importante é que se use o caderno todo.

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