sábado, 26 de dezembro de 2015

Elogio da morte

Talvez devesse deixar de fumar. 
É um vício social, pouco  mais. Afinal só gosto de fumar acompanhada. 
Mentira, Sofia. Aliás, grande mentira, Ana Sofia! 
A idade tem-te refinado na mentira. Estás cada vez melhor. Cada vez melhor no que trata de te convenceres do que te convém. Que é como quem diz, estás cada vez pior. Por agora, decido melhorar um pouco: gosto de fumar de qualquer jeito. Sozinha, ou acompanhada. Não melhoro tudo, se decido seguir a fumar... Pouco importa. Preciso de medir o tempo em qualquer coisa mais palpável que um relógio. Talvez não mais palpável, apenas mais activo. A inacção desestrutura-me. Dá-me tempo em demasia para pensar. Por isso fumo. Preciso de movimento, de sentir que faço a roda girar. Mesmo que não faça. Cada ano mais refinada, já sei... Deixa-me estar. A roda enorme, não me cabe na mão. Nem nas duas, abertas. Acendo um cigarro. Meço as horas contigo em braseiros ardidos a dois, e as horas sem ti em braseiros sugados à tua espera. Às vezes não chegas. Acendo outro. Quando chegas, um terceiro, e um quarto, os dois a arderem devagar na nossa pressa. A medirem o crepitar exacto da nossa vontade. Longas puxadas incandescentes a dois. Tão grande, a nossa urgência. Não fosse pelos cigarros, já teríamos chegado. 
Onde vamos, hoje?

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