terça-feira, 5 de outubro de 2010

Já sei que agora é comigo

Não sou mãe, mas talvez por ser filha, leio regularmente artigos sobre como educar o seu filho, como fazer tudo bem, para que não sobre nada para ele resolver mais tarde. A teoria está explicada em todo o lado: livros, revistas, conversas de café, jornais, folhetos...  Já a prática caminha por aí. As práticas caminham por aí, fazem disparates, cometem erros, mas às vezes também acertam. Pois é, nós as práticas às vezes também acertamos, apesar de andarmos vezes demais longe da teoria.
Tropeço em informação de como ser boa mãe, com a frequência com que tropeço em artigos sobre como ser melhor pessoa.
(Está na moda, esta coisa do auto-conhecimento)
Começam geralmente por uma enorme lista de opções, precedidas de uma ordem: "Identifique por favor o seu tipo de personalidade":
1. Passivo
2. Agressivo
...
...
...
e 5.
como se fosse apenas mais um,
5. Assertivo
e não é. Não é mais um. Está ali para enganar os passivos e os agressivos deste mundo. Para nos fazer crer que há cincos por aí, a fazer quase tudo bem. Não há cincos. A mim não me cabe que haja cincos. Por isso, pela parte que me toca, podem não se cansar a disfarçar o objectivo no meio de uma lista de possibilidades reais. A assertividade é um objectivo e não uma característica por si só. Se a procurarmos muito, aproximamo-nos. Só isso, e com sorte.
(atenção que vou fazer um parêntesis enorme. Não se esqueçam do que deixámos para trás. Aqui vai: nestes momentos lembro-me sempre do meu pai, que tinha eu ainda poucos anos, me escreveu uma dedicatória num daqueles bloquinhos pirosos com desenhos queridos e cheirinho e tudo, que dizia o seguinte: "o sol está longe, mas é belo". Na altura fiquei especada, a olhar ora para ele, ora para a folha e a achar aquilo... no mínimo, esquisito. Todos os meus amigos tinham escrito coisas "cool" e de repente, a poesia sem rima do meu pai, estragou o ramalhete. Hoje entendo-o. Assim está a assertividade: quente!)
Voltando aos filhos, também aí existem listas sem fim sobre "o que fazer" e "o que não fazer". Descrente de que se consiga sempre fazer a coisa certa, preocupa-me apenas que não se faça nada. É feio não se fazer nada. É feio esperar que os filhos cresçam para que o problema passe a ser deles. É feio chutar a merda de geração em geração. É feio não se agarrar o touro pelos cornos, porque se tu não o agarrares, vou ter eu que o agarrar mais tarde. E eu não pedi para vir à praça. Entendes a diferença?
Não sei bem até que idade se pode culpar os outros por aquilo que não nos deram, as aprendizagens que não nos proporcionaram, as falhas, que se não corrermos rápido, iremos seguramente repetir.
(Pois é, iremos seguramente repetir. Porque somos afinal falíveis como os demais. Tão falíveis quanto os que não conseguiram pegar o touro)
Não sei bem até que idade se pode culpar os outros por aquilo que acabámos por ser, ou não ter.
Dava-me jeito e muito menos trabalho seguramente, culpar a sorte, ou a lua, ou a prima da minha avó que era demasiado rígida, ou demasiado negligente, ou demasiado outra coisa qualquer. Dava-me jeito, e posso, e até me apetece, mas agora é comigo. E se agora é comigo, pode ser o que eu quiser.
Pode?
Pode.
E eu a desejar culpar eternamente a prima da minha avó.
E eu a desejar não saber que,
pode.
E agora já sei.
Já ouvi, caramba!
Já sei que agora é comigo!

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