segunda-feira, 3 de junho de 2013

Isto não é para mim

          Perdoem-me mas definitivamente não nasci para isto.
          Para a vida, quero eu dizer.
          Agradeço do fundo do coração a oportunidade que me foi dada,
(prefiro falar na terceira pessoa, porque se me ponho a falar na primeira e na segunda, este texto acaba aqui mesmo. Não se pode não nascer para uma coisa que nos foi dada pelo pai e pela mãe.)
a sério que agradeço. Esta coisa do esqueleto, dos músculos e da gordura, dos aparelhinhos a bombar sangue e oxigénio para todo o lado, deve ter dado um trabalho do caraças. Acreditem que agradeço e, tendo em conta o vosso empenho e dedicação, até me esforcei, mas,definitivamente,
isto da vida não é para mim.
           Talvez tenha fracassado. Está bem, admito, fracassei, ou fraquejei, seja o que for, mas as pessoas fazem isso a toda a hora e não vem daí mal de maior ao mundo. Não se hão-de desalinhar os planetas apenas porque uma pessoa, que me calhou a mim ser eu, admitir, honestamente, que
isto da vida não é para mim.
           Ainda no outro dia o Carlos disse ao chefe que afinal aquilo de Inspector Geral não era para ele, e o mundo não descarrilou. Bem pelo contrário, emergiram de imediato variadíssimas forças vigorosas, de trás de variadíssimas secretárias bafientas, que passaram a tratar o Chefe nas palminhas e às palmadinhas, enquanto o novo Inspector Geral não foi nomeado. O Chefe ficou um bocadinho desapontado com o Carlos, é certo. E o Carlos ficou vagamente desapontado com o Carlos, é certo. Mas foi coisa que passou rápido. Velocidade essa que não teria sucedido caso ninguém se tivesse desapontado.
          E é por isto da velocidade e do desapontamento que digo, enquanto é tempo,
          Perdoem-me,
mas isto da vida não é para mim.
          Não digo que seja só defeitos, nem por sombras, já não tenho idade para intransigências. Tem coisas engraçadas, boas até, mas quando o turbilhão de néons diários se apaga, e se acende a escuridão da noite, quando as mãos buscam, trémulas, e não encontram nada, nem outra, quando o frio na barriga gela de perguntas, aí é que tudo faz sentido.
          Mas o sentido desistiu há muito, meus caros. Gritou para quem o quis ouvir que isto não era para ele, e ninguém se ralou. Por isso agora sou eu que digo,
perdoem-me mas isto da vida não é para mim.
          E não admito que se indignem, não vou sequer tolerar que o frio vos gele na barriga, ou na minha, de tantas perguntas.
          Mas quais perguntas?
          Na verdade, quais perguntas, rapariga?
          Conta-me cá, se o sentido voltasse, com o rabinho entre as pernas, e te dissesse baixinho,
          - Pergunta à vontade que eu respondo.
          O que é que fazias? Que sumptuosa pergunta terias para lhe fazer, rapariga?
          Nenhuma.
          A treta é essa; nenhuma. Nem uma.
          Tenho de admitir que assim é. Se o sentido voltasse, arrependido, agora mesmo, no preciso momento em que escrevo este queixume medíocre, não teria nada, nadinha, para lhe perguntar. O que me gela na barriga não são perguntas. Se o que me gela na barriga fosse,
- Como se divide afinal o átomo?
- Porque é que chove aqui  e não ali?
- Porque é que os leões hão-de ser carnívoros e não vegetarianos?
- Porque é que o Sol gira à volta da Lua, ou lá o que é? (Está bom de se ver que o que me gela não são perguntas)
estaria rica e seria o maior orgulho da segunda e da terceira pessoa. Porque quem se pergunta compulsivamente seja o que for, acaba por encontrar uma resposta.
          Se não tenho respostas, é porque não me pergunto.
          E assim sendo, o que me gela na barriga é um vazio imenso, é o roncar da vida a moer em seco.
          Por isso, agora que dei o flanco e admiti que isto da vida não é para mim, alguém pode perguntar ao sentido como é que o vazio chega a gelar? 

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