quarta-feira, 21 de abril de 2010

Chorar de boca aberta

No outro dia dei por mim a chorar de boca aberta.

Sem qualquer tipo de pudor.

Sem dúvida nenhuma de que “o fim” era ali.

Tenho agora o distanciamento suficiente para entender que foi essa ideia de “fim-da-linha” que me empurrou para um choro tão verdadeiro, logo tão terapêutico.

No momento da desgraça, o berreiro desmesurado pareceu-me a única solução. Àquela distância de terra, é pouco provável que o cagarim tenha chegado a algum lado onde houvesse um par de orelhas. Porém, vá-se lá saber porquê, 15 min depois lá estava um barquinho para me salvar.

Já a seco e salvo, assustou-me perceber que houve um momento no mar em que desisti. Mas o que me assustou verdadeiramente foi concluir que enquanto eu me julgava a berrar sozinha, havia alguém (provavelmente um tipo giro e bronzeado do club de windsurf) a observar aquela magnífica performance no grande plano de uns binóculos intrusivos, como que a ver a cena com o televisor no “mute”. Estou certa que lhe embaciei as lentes com o bafo.

Bom... perante tão grande humilhação, resta-me o consolo de ter podido experimentar o tal choro de boca aberta, e claro o consolo de ter sobrevivido para lá da minha desistência.

Há de facto gajas com sorte.

Sinal de fraqueza ou não, a verdade é que aquilo é bom pa caramba!

Gostei, vou repetir e recomendo. Faz um bocadinho de chiqueiro e barulho é certo, mas lava a alma.

Garanto-vos: é um privilégio poder chorar tão verdadeiramente.

É um privilégio não ter vergonha de abrir a goela ao ponto de exibir molares chumbados e cariados, sem sequer nos ocorrer o ridículo de ter fios de baba indecisa entre o lábio inferior e o superior, formando nesta indecisão uma espécie de croché (mais ou menos opaco, consoante a alimentação do indivíduo) que nos esconde a campainha tilintante ao fundo, imediatamente antes de se apagarem as luzes lá para os lados da faringe...(ou será a laringe? Sei lá... lá ao fundo)

Nestes estados extremos, o conceito de ridículo e vergonha desaparecem. Provavelmente porque tais conceitos só existem como consequência natural de uma espécie de “consciência social” (arrisco esta terminologia porque tenho a esperança de não ser lida por nenhum entendido na matéria). Ou seja, o ridículo é sempre culpa dos outros. Olha que bom é pensar assim. O pensamento lógico (o meu pelo menos) surpreende-me sempre. Tudo pode ser afinal aquilo que eu quiser.

Do choro de boca aberta resulta a certeza de que ridículos são os outros. Gosto disso!

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