quarta-feira, 9 de maio de 2012

Recomeços e entretantos

          Só depois da poeira assentar novamente nas coisas se pode compreender que o único problema sem solução chega sempre tarde demais, pelo menos para o próprio. E quanto à morte, não há muito a fazer; quando chegar não teremos tempo sequer de lhe acenar com a mão. Para além do fim material - chamemos-lhe assim - , nenhum dos outros é permanente. Porque se todos durassem para sempre não existiria a palavra recomeçar. E recomeçar não é mais do que começar depois de um fim. E começar depois de um fim significa que alguma coisa aconteceu para que pudesse acabar. E se alguma coisa aconteceu, não há como virar a cara para o lado e simplesmente começar. Podemos virar a cara para o lado, sim, mas o que se segue é um recomeço - um começo do fim, mas para a frente e não a andar para trás. 
          Gostamos de dizer que vamos recomeçar do zero, mas não se pode recomeçar do zero. O zero ficou para trás e não há como lá voltar. Podemos até pegar numa lasca de tijolo e escrever um zero gigante onde quisermos - aviso desde já que esta forma arcaica de giz só escreve bem no alcatrão -, podemos até olhar para o lado a tentar obrigar o corpo a dar meia volta e seguir a ordem da cabeça  de volta ao zero. Mas o corpo é que manda, esteja lá a cabeça virada para onde estiver. Por isso, o melhor que temos a fazer com o pedaço de tijolo é desenhar um jogo da macaca e saltar ao pé coxinho para nos distrairmos no entretanto. 
          Mas atenção que o entretanto é um momento importante. Como o próprio nome indica é um momento entre muita coisa; antes houve tanta coisa, mas depois também vai haver. O entretanto é o momento entre tudo isso, logo é importante. 
          A cabeça nestas coisas reais não manda nada, o corpo segue em frente e a cabeça não tem outro remédio que não seja segui-lo. Podemos ficar o resto da vida a olhar para trás, mas se assim fizermos, o mais provável é esbarrarmos num poste de electricidade que nos relembra que é sempre melhor olharmos para o sítio onde vamos, e que se aproxima, em vez de ficar a olhar para o sítio de onde viemos, e que se afasta cada vez mais. 
          As pessoas com sorte esbarram com o poste suficientemente cedo, as outras vivem em cidades sem luz.

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