segunda-feira, 2 de julho de 2012

O fim das coisas

O fim devia vir sempre no meio.

Um dia pedi ao Miguel que pusesse o fim no meio, e ele... doce... pôs...
Era simples, Miguel.
Parece contraditório, mas não é. Tu é que estavas cansado e baralhaste tudo.
O fim é uma coisa demasiado importante para acontecer apenas no final,
e assim sendo,
o fim devia vir sempre no meio.

O fim de um livro, por exemplo, jamais se devia deixar adivinhar pela mão direita vazia, três folhas apenas, fininhas, numa mão suada a ansiar o beijo demorado dos amantes que se desejaram durante demasiadas páginas para que acabem por não se beijar no final,
os amantes.

Uma mão vazia e suada porque sabe tão bem que o beijo dos amantes não cabe em três folhas apenas.
Uma mão suada a desesperar com o desespero dos amantes que não chegam a beijar-se,
ou a desesperar com os amantes suados quando o beijo chega.

Os amantes beijam-se sempre, mesmo que seja só no final. E também por isso,
o fim devia vir sempre no meio.

O fim dos livros, de alguns livros, daqueles em que se beijam os amantes, pelo menos,
devia vir sempre no meio.
O fim desse livro,
(é sempre o mesmo livro, independentemente dos nomes dos amantes)
devia acontecer com a mão direita ainda gorda de folhas,
mesmo que em branco, e fininhas,
desde que muitas.

Muitas folhas a não deixarem adivinhar que o fim se aproxima,
ou não deixarem temer que o beijo nunca chegue.
Bom, adivinhar ou temer, pouco importa. O importante é que se beijem,
os amantes.

Mas sem a mão gorda de folhas...
Sem a mão gorda de folhas o beijo não pode chegar, caramba!
O beijo dos amantes não cabe em três folhas, apenas.
Não, fininhas, assim.

Acho que não pedi demais. O homem vai à Lua, Miguel. O fim no meio não pode ser coisa complicada.

Um dia pedi ao Miguel que pusesse o fim no meio, e ele... doce... pôs...
Um dia pedi ao Miguel que pusesse o fim no meio, mas esqueci-me de lhe dizer qual meio.
(Foda-se, como é que me fui esquecer de lhe dizer qual meio.)
(Era no meio do livro, Miguel.)
Um dia pedi ao Miguel que pusesse o fim no meio, e o cabrão meteu-o no meio dele.
Eu pedi, e ele... doce... pôs...
mas enganou-se,
ou cansou-se.
Foi isso, o cabrão cansou-se e agora não há nada a fazer.
Não há mão gorda de páginas brancas que lhe resolva o corpo gelado.
A temperatura é coisa que não deixa dúvidas.
O fim já foi.
Logo o teu.
E bem no meio, Miguel.
Logo no meu.

O homem vai à Lua, caramba!
Até um sacana de um cão já foi à lua. Uma lassie, um cão de cabelo esticado, imagine-se.

O fim devia vir sempre no meio, sim.
Mas não no teu, Miguel.
Não no teu.
Ou pelo menos não no meu, caramba!
Logo eu, que estiquei o cabelo de propósito.
Logo eu, que queria tanto ir contigo à Lua.


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