sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Era mais ou menos assim ) ou assim (

Ontem a lua estava magrinha que eu vi.
Raramente a vejo, mas ontem entrou-me pelos olhos dentro de tão estreitinha e bem desenhada que estava, numa magreza de luz afiada. Quarto minguante parece que se chama, ou crescente, não sei dizer.
(Nunca sei onde raio é que a lua é mentirosa, mas não deve ser aqui)
Pouco importa para o caso. Era assim uma tirinha encurvada, um parênteses de luz pendurado no céu. E como é que eu, que abuso descaradamente dos parênteses, 
(Não por uma questão de estilo, mas por inabilidade ou da falta de paciência, para organizar ideias num texto)
(Prefiro que se trate de falta de paciência, mas desconfio que seja inabilidade) 
nunca tinha reparado naquele ali perdido, sempre no mesmo sítio, ou quase no mesmo sítio,
(Para lá da janela do meu quarto, estão a ver?)
(Como se houvesse outro quarto. Ou outra janela. Para lá da janela chega, neste caso)
à espera que eu o visse, ou que alguém lhe encontrasse o par, para poder cumprir o seu dever e aconchegar palavras lá dentro. Hoje vi-o e tive vontade de lhe gritar
- JÁ TE Viiiiiiii.
e depois dizer baixinho
- Fica tranquila, se vir o teu par por aí, vou a correr arranjar umas palavras e montamos tudo no sítio. Não te preocupes que já te vi.
Esperei um pouco sentada no terraço a fazer-lhe companhia, por vergonha de todas as noites passadas que nem dei por ela. Volta não volta, murmurava-lhe
- Descansa. Agora que te vi não te largo.
Como se ela fosse a algum lado. Assim sozinha sem par, o trabalho dela é ficar quieta, aparecer ali de tantos em tantos dias, como um cão que volta não volta, vai ao quarto do dono que morreu, na esperança de lá o encontrar. Assim estava a lua magrinha, de tantos em tantos dias
(Porque é que eu não sei quantos dias são? Lembro-me de estudar isto na escola. De que me serviu aquela aula? Podia ter faltado ou ter ficado no recreio a jogar ao berlinde ou à macaca. Dava o mesmo. Das duas maneiras chegaria onde estou hoje: já não salto à macaca e já não sei as fases da lua, portanto é indiferente hoje, mas na altura teria preferido a macaca, seguramente)
revezava o turno com as primas gordas e pendurava-se ali à espera do braço que lhe faltava, para poder pegar palavras ao colo.
Não sei se te diga que a espera é em vão. Ainda para mais, desconfio que parênteses aí em cima não servem para segurar grande coisa. Duas linhas já correm o risco de começar a fazer barriga. Num momento de fraqueza, ainda deixas cair alguma palavra, daquelas que mudam todo o sentido a uma frase. Os parênteses usam-se cá em baixo, escritos nos livros ou rabiscados em guardanapos de papel.
(Amo-te) por exemplo.
Os parênteses deste "amo-te" são como quem põe as mãos em concha e diz
- Espreita.
para prevenir que o senhor da mesa ao lado pense que é para ele.
Só cá em baixo podemos segurar linhas sem conta, com dois pequenos quartos minguantes ou crescentes. Mas mesmo cá em baixo, eu prefiro guardar os livros deitados, para não correr o risco de os encontrar de manhã, com as folhas brancas e palavras espalhadas por todo o lado.
Tanta conversa para nada. Mesmo que o teu par exista e que vinte linhas não façam barriga, o que é que estás a pensar meter lá dentro?
(Para lá da janela do meu quarto)?
ou
(amo-te)?
O que é que importa o que se vê para lá da janela do meu quarto? Ou se te amo?
Nada.
Fazemos assim, se prometeres não me deixar cair, deixo que me pegues ao colo. E se te portares bem, não te digo que és o único parênteses de luz do mundo.

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