sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O tempo e os gatos















Quando fico algum tempo sem viajar, esqueço-me de muitas coisas, todas importantes. Felizmente, mais cedo ou mais tarde, acaba por chegar um dia em que tropeço numa foto, num cheiro, numa memória,
(tropeça-se em memórias?)
e volta tudo intacto, como se não tivesse estado fugido tempo nenhum. Que grande lata!
Apesar da lata deste tudo, ainda bem que ele volta. De repente, é como se esta foto tivesse sido feita ontem, ou hoje, de tão entranhada que me está no corpo. Como se o tempo não tivesse passado por ela. E é também com lata que declaro com o coração,
- Esta foto foi feita hoje à tarde e estes miúdos nunca hão-de crescer.
O chato do tempo que insiste em correr, passa cuidadosamente pelas coisas importantes. Passa de fininho, como um gato em gincana delicada por entre os Limoges da Dona Efigénia.
(A Dona Efigénia é uma velha rechonchuda e enrugada que vive embrulhada num xaile morno, e pendurada na janela do primeiro andar que dá para o quintal da minha madrinha. Nunca lhe conheci gatos, mas aquela é seguramente uma velha de gatos)
O tempo, como os gatos das velhas, reconhece o valor das coisas. O tempo passa ao lado desta foto, tal como o gato da Dona Efigénia se enrola cuidadosamente nos vazios minúsculos entre os Limoges coloridos que animam a cómoda rococó. Chega a tocar-lhes com o pêlo e se ficarmos muito calados
(Muito calados? Calados, é calados! Protestaria a minha irmã)
quase ouvimos os passos dengosos e arrastados das pantufas do gato, a namorar as porcelanas, enquanto a espinha arqueada se acomoda à delicadeza do obstáculo.
A improbabilidade  que faz com que aquele gato não faça as porcelanas em cacos, é a mesma que não deixa o tempo passar naquela foto.
O tempo é um senhor educado e inteligente. Sabe bem que neste caso, não tem outra hipótese senão passar ao largo, tirar o chapéu com cerimónia e dizer baixinho eternamente
- Olá meninos.

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