domingo, 27 de junho de 2010

Auto-qualquer-coisa

Há dias assim. Dias de auto-qualquer-coisa, para concluir não sei muito bem o quê.
Há dias em quem me agarro aquilo que sei, para tentar esquecer aquilo que não sei.
Sei que:
Abuso dos adjectivos, da reticências e dos parêntises. Uso dois verbos na mesma frase, porque nunca tenho a certeza qual o mais adequado. Digo "sempre", e em seguida remato com um "quase sempre". Indecisa? Talvez. Consciente da inexactidão do discurso humano, seguramente.
E a professora de Português (ou a de filosofia, ou a de Geografia, ou o de História) sempre a dizer:
- AC 17valores. Porém, se no próximo teste não for mais concisa nas respostas, terei de a penalizar.
O meu discurso longo e sonhado, não pretendia encher folhas de teste para engordar a nota. O meu discurso tantas vezes excessivo, não era mais do que uma procura desmesurada (e absurda, sei hoje) da verdade. Provavelmente gastei "bic's" em vão. Valeu a pena? Claro que sim, pois se não o sabia fazer de outra maneira. A verdade é que nunca fui penalizada na nota por palavras gastas.
Anos mais tarde, outro professor a dizer a mesma coisa por outras palavras:
- AC... larga o esquiço... um esquiço bonito não faz um bom projecto.
Porra!!! E eu a sonhar enquanto desfolhava as minhas notas e os meus desenhos, cheia de mim própria. Aquilo lixava-me, caraças! E o professor continuava:
- AC, onde andam as coretes?
E eu quero lá saber das coretes! Sou uma projectista mental, ou seja, sou uma arquitecta preguiçosa, do tipo que nunca fez, nem nunca fará um projecto de execução. Sempre me bastaram os projectos que guardei para mim, por uma total incapacidade de concretização. Também aqui, os esquiços bonitos não pretendiam engordar a nota, mas engordavam, para angústia de muitos.
Bastaram-me os projectos da não-arquitecta, tal como agora me bastam as fotografias da não-fotógrafa, ou os escritos da não-escritora, ou no limite: basta-me a luz laranja que invade o meu T1 ao final da tarde, ou a Estrada da Lagoa.
Sou apaixonada pela Estrada da Lagoa e pelas árvores da Estrada da Lagoa (não imaginas o que uma árvore bonita, ainda que torta e desajeitada, ou melhor: preferencialmente torta de desajeitada, me faz ao coração). Mais de vinte anos depois, continuo a preferir conduzi-la sozinha e em silêncio. Quando se me esgotam as desculpas e acabo por ter de ir no carro com alguém, exilo-me nos meus pensamentos e faço um esforço para ir soltando palavras vagas: "pois...", "sim...", "claro...", que caem seguramente fora de tempo, na conversa dos demais.
Preenchem-me coisas simples e subtis, como escrever "Estrada da Lagoa" com maiúsculas. Deste-te conta? O significado gigante das coisas pequenas fascina-me.

2,221 caracteres depois, concluo que afinal até sei algumas coisas. Pequenas, mas que eu sei.
Mas também sei que:
Não sei o que desejar ou esperar da vida (cá estou eu a dobrar os verbos e a banalizar os parêntesis) e isso, infelizmente, lixa tudo...

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